Maio de 2024 | Doenças Cardiovasculares

31 maio, 2024≈ 7 min read

Sob o mote de assinalar uma efeméride, em maio um investigador e o seu grupo de investigação com trabalho reconhecido em determinada área apresentam um conjunto de doze faixas à sua escolha numa playlist. Nesta rubrica mensal, pretende-se, por um lado, relevar uma temática de saúde e, por outro, dar a conhecer o que estas duas pessoas gostam de ouvir.

Institucionalizado pela Fundação Portuguesa de Cardiologia (SPC) como “mês do coração”, é realizada em maio uma campanha multicanal de consciencialização para as doenças cardiovasculares. Atividade física combinada com uma alimentação equilibrada, horas de sono em número suficiente bem como a monitorização de níveis de stress são práticas que contribuem para contornar fatores de risco como a hipertensão arterial, o colestrol alto, a obesidade e a diabetes. O consumo elevado e frequente de álcool está associado ao aumento da pressão arterial, à desregulação de lípides e triglicérides e a uma maior probabilidade de infarto do miocárdio. As doenças cardiovasculares também são 2 a 4 vezes mais frequentes em fumadores.

Estima-se que em Portugal cerca de 400 mil indivíduos sofram de insuficiência cardíaca (IC), uma patologia que se manifesta através de fadiga intensa, tosse, náuseas e aumento de peso, da dificuldade em respirar (dispneia) bem como do inchaço de membros inferiores por conta da acumulação de líquidos. Estes sintomas constituem-se como primeiros sinais da doença, apesar de frequentemente não serem identificados como tal pela população. A importância do reconhecimento em estágios iniciais de sintomatologia desta patologia foi enfatizada, este ano, entre 29 de abril e 5 de maio, na campanha "Detect the undetected: FIND ME", promovida pela Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC).

O envelhecimento e o tratamento mais eficaz de outras doenças cardíacas têm-se traduzido numa maior incidência da IC, a primeira causa de hospitalização em pessoas com mais de 65 anos em países industrializados. De acordo com a SPC, apenas um número reduzido de estados europeus tem capacidade de resposta ao risco e impacto desta patologia, para a qual se prevê um aumento de 30% no número de doentes até 2034. Neste sentido, a SPC recomenda a priorização da síndrome de IC no plano nacional para a saúde e um registo rigoroso e fidedigno de dados observacionais, cientificamente relevantes para o desenvolvimento de programas adaptados às necessidades dos doentes e dos profissionais. Estima-se que a IC custe entre 5 mil a 15 mil euros por paciente na Europa, o que representa uma onerosa carga económica para os estados. Cálculos de 2019, reflexivos de custos diretos e indiretos, permitiram concluir um impacto económico de 2,6% desta doença na totalidade das despesas públicas de saúde. Alerta-se para a necessidade de o aumento previsto dos custos totais ser contemplado na adequação de políticas públicas à gestão de recursos.

Henrique Girão é doutor (2006) em Ciências Biomédicas, mestre (1998) em Ciências da Visão e licenciado (1995) em Bioquímica pela Universidade de Coimbra. É subdiretor do Instituto de Investigação Clínica e Biomédica de Coimbra (iCBR) onde lidera o G(u)IC - Group of Ubiquitin Dependent Proteolysis and Intercellular Communication. Exerce funções como subdiretor para a Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) onde também criou o Laboratório de Comunicação em Saúde. Coordena o mestrado em Investigação Biomédica e o doutoramento em Ciências da Saúde. Integra ainda o Conselho Estratégico do Centro Académico Clinico de Coimbra (CACC) e a Comissão Cientifica do Biobanco do CACC. É associate editor na revista científica J Extracell Vesicles e frequentemente é convidado como avaliador de candidaturas de bolsas/ projetos Marie Sklodowska-Curie Actions, Fundação la Caixa, British Heart Foundation e outras fundações nacionais na Suíça, Flandres, França e Polónia. Já publicou mais de 100 artigos em revistas conceituadas como a Circulation Res, Cardiovascular Research, EMBO Rep, Nature Reviews Cardiology, Cardiovasc Res, Science Advances, Life Sci Alliance, JAAC, FASEB J, Autophagy, Molec Cell Proteomics e J Extracell Vesicles.

Desde 2012, o G(u)IC - Group of Ubiquitin Dependent Proteolysis and Intercellular Communication tem-se dedicado ao estudo dos mecanismos envolvidos na comunicação intercelular bem como dos processos de manutenção de qualidade das proteínas. As células comunicam entre si diretamente, através de gap junctions, mas também a longas distâncias através de vesículas extracelulares. O G(u)IC procura esclarecer os efeitos da perturbação da comunicação intercelular e a falha dos sistemas de eliminação de proteínas danificadas, nas doenças cardiovasculares. O trabalho desenvolvido até ao momento demonstrou que a conexina 43 (Cx43), uma importante proteína de gap junctions, está presente em vesículas extracelulares, onde pode modular a triagem de miRNA, (pequenas moléculas de ácido ribonucleico não codificantes envolvidas na regulação da expressão genética) e facilitar a libertação do conteúdo das vesículas nas células alvo. O grupo de investigação provou que a Cx43 se acumula no núcleo, onde regula a transcrição de genes, e modula os processos de reparação de membranas celulares, que podem estar envolvidos no aparecimento e desenvolvimento de doenças cardiovasculares. A par disto, os investigadores constataram que as doenças cardíacas estão associadas a uma remodelação das gap junctions e também a defeitos na comunicação entre as células do coração, mediada por vesículas extracelulares, modulando a angiogénese (desenvolvimento de novos vasos sanguíneos num tecido vivo) e a resposta inflamatória. O G(u)IC mostrou ainda que os níveis de Cx43 em vesículas extracelulares, na circulação sanguínea, são um indicador de lesão cardíaca, nomeadamente de enfarte agudo do miocárdio. Por outro lado, a administração transdérmica de metabolitos de plantas exerce efeitos protetores em modelos pré-clínicos de doenças cardiovasculares.