Junho de 2024 | Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas

26 junho, 2024≈ 8 min read

Sob o mote de assinalar uma efeméride, um/a clínico/a e um/a investigador(a) com trabalho reconhecido em determinada área apresentam um conjunto de doze faixas à sua escolha numa playlist. Nesta rubrica mensal, pretende-se, por um lado, relevar uma temática de saúde e, por outro, dar a conhecer o que estas duas pessoas gostam de ouvir.

O Dia Internacional Contra o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas é assinalado anualmente a 26 de junho no seguimento da sua instituição em 1987 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A data serve o propósito de consciencializar a sociedade civil para o combate ao consumo e ao tráfico de substâncias ilícitas, bem como à dependência química. O uso indevido de drogas constitui-se como uma grave ameaça à saúde pública, à segurança internacional, bem como à estabilidade política, social e económica dos estados. O tema deste ano - “A evidência é clara: investir na prevenção” - reconhece que na resposta aos desafios colocados é imperativa a adoção de uma abordagem baseada em evidência científica que priorize prevenção e tratamento. Segundo o United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), a campanha de 2024 enfatiza que políticas eficazes em matéria de drogas devem assentar “na ciência, na investigação, no pleno respeito pelos direitos humanos, na compaixão e numa compreensão profunda das implicações sociais, económicas e sanitárias do consumo de drogas”. Em Portugal, o objetivo da ONU de uma sociedade internacional livre do abuso e tráfico de drogas é prosseguido pela Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ). Através deste organismo do Ministério da Justiça, o estado português faz-se representar em vários Comités de Trabalho da ONU. A DGPJ acompanha os trabalhos desenvolvidos no UNODC que, desde 1997, supervisiona a conformidade dos estados com as normas de Direito Internacional Público em matérias de narcotráfico, tráfico de pessoas e tráfico ilegal de imigrantes, crime organizado, corrupção e terrorismo.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas de 2023, produzido pelo UNODC, em 2021 o número estimado de consumidores de drogas ilegais em todo o mundo já se aproximava dos 296 milhões. Isto significa que 1 em 17 pessoas, com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos (equivalente a 5,8% da população global) tiveram pelo menos um episódio de consumo de substâncias deste tipo. Do total de 296 milhões, estima-se que aproximadamente 13% apresente perturbações decorrentes do uso indevido de drogas. É apontado que o crescimento de 23% face aos dados de 2011 (240 milhões) se deve parcialmente ao aumento populacional. A canábis continua a ser a droga mais utilizada, com uma estimativa de 219 milhões de consumidores (4,3% da população adulta mundial) em 2021. Nesse mesmo ano, aponta-se que 36 milhões de pessoas tenham tomado a anfetaminas, 22 milhões tenham recorrido cocaína e 20 milhões tenham consumido substâncias com semelhanças ao ecstasy.

O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) chama a atenção para os efeitos nefastos que a produção significativa de drogas sintéticas na Europa exerce sobre o ambiente e a saúde pública, em virtude da descarga ou da eliminação dos volumes frequentemente elevados de substâncias perigosas usadas no processo de fabrico. Pesem embora os esforços na monitorização e no desmantelamento das atividades ilícitas, a elevada disponibilidade de narcóticos, a comercialização com nuances cada vez mais complexas e padrões de “policonsumo” preocupam o OEDT. Em Portugal, os indicadores no âmbito da oferta de drogas ilegais expressam, de um modo geral, tendências semelhantes às do panorama europeu. Segundo o Relatório Europeu sobre Drogas de 2024, no ano passado quase 23 milhões de pessoas consumiram cannabis, 4 milhões de cocaína e aproximadamente 3 milhões tiveram pelo menos uma experiência com MDMA/ecstasy. O ICAD - Instituto para os Comportamentos Aditivos e Dependências (antigamente designado por SICAD) estima que no território nacional existam quase 50 mil pessoas com problemas relacionados com drogas. O relatório final do V Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral do ano de 2022 revela que a canábis é a substância psicoativa ilícita com mais prevalência nos consumos ao longo da vida (10,5%). Os valores relativos ao seu uso ao longo da vida ao passo têm crescido ao passo que as prevalências de consumo nos últimos 12 meses diminuíram face a registos anteriores. Ainda assim, em comparação com os dados disponibilizados pelo OEDT, a prevalência de canábis em Portugal (2,8%) situa-se abaixo do valor médio do conjunto dos 30 países (5,7%). No que concerne à cocaína, o consumo ao longo da vida tem descido ligeiramente face aos valores observados em 2017 e 2012. Os números relativos ao consumo no ano de 2021 também não se alteraram. De forma semelhante à canábis, Portugal situa-se abaixo do valor médio europeu (0,4%) com uma prevalência de consumo de cocaína de 0,2%. Em território nacional, a subida dos valores relativos ao ecstasy é justificada pelo aumento do consumo ao longo da vida por parte do género masculino. Contudo, as prevalências de consumo nos últimos 12 meses têm baixado desde 2017. Ademais, Portugal destaca-se no contexto europeu com a mais baixa prevalência de consumo desta substância sintética nos últimos 12 meses.

Ana Paula Silva é doutora (2003) em Biologia com especialização em Biologia Celular e licenciada em Biologia (1998) pela Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra. Mais ainda, realizou um pós-doutoramento (2003-2005) no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra e é certificada pela Federation of European Laboratory Animal Science Associations (FELASA) em Experimentação Animal. Atualmente é coordenadora do grupo de “Neuropsychopharmacology and Brain Disorders” no Instituto de Investigação Clínica e Biomédica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (iCBR-FMUC), membro do Conselho Científico do iCBR-FMUC, investigadora no projeto Europeu "Let’s Talk about Children" e regente da unidade curricular de Investigação Aplicada II do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) na FMUC. Periodicamente, dinamiza atividades de comunicação de ciência para os níveis de ensino básico e secundário. “O Cérebro e as Drogas”, que já conta com várias edições, é uma palestra da sua autoria que aborda a interferência das substâncias ilícitas no cérebro e consequências no comportamento.

Joaquim Cerejeira é doutor (2012) e licenciado (2002) em Medicina pela FMUC. Possui um Executive Masters (2013) em Gestão de Unidades de Saúde pela Católica Porto Business School e uma pós-graduação (2021) em Avaliação do Dano Corporal pelo Centro de Estudos de Pós-Graduação em Medicina Legal. Em 2010 obteve o título de especialista em Psiquiatria e foi assistente graduado na ULS Coimbra entre 2020 e 2023. Atualmente, é diretor clínico da Unidade Psiquiátrica Privada de Aveiro e da Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra, professor auxiliar na Universidade de Coimbra, professor auxiliar convidado na Universidade da Beira Interior e investigador no iCBR-FMUC, onde coordena o projeto “Let’s Talk About Children”. Exerceu funções como professor adjunto na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.