Fevereiro de 2024 | Doenças Raras

29 fevereiro, 2024≈ 5 min read

Sob o mote de assinalar uma efeméride, um/a clínico/a e um/a investigador(a) com trabalho reconhecido em determinada área apresentam um conjunto de doze faixas à sua escolha numa playlist. Nesta rubrica mensal, pretende-se, por um lado, relevar uma temática de saúde e, por outro, dar a conhecer o que estas duas pessoas gostam de ouvir.

No último dia do mês de fevereiro assinala-se o Dia Mundial das Doenças Raras, data criada no ano de 2008 pela EURORDIS-Rare Diseases Europe, aliança não-governamental que agrega associações com a missão de melhorar a qualidade de vida de mais de 300 milhões de pessoas no mundo que vivem com uma doença rara. Nesta efeméride, que já faz parte dos calendários de 80 países, pretende-se consciencializar a sociedade civil e os decisores políticos para os impactos destas patologias nos pacientes e respetivas famílias. Na União Europeia, as doenças raras são definidas por uma prevalência inferior a 1 em 2 mil pessoas de todos os 27 estados-membros e estima-se que afetem entre 6 e 8% da população mundial. Extrapolando este número, calcula-se que em Portugal existam cerca de 600 a 800 mil pessoas portadoras destas patologias.

Henrique Alves e João Pedro Marques têm atuado no âmbito das doenças hereditárias da retina, que com uma prevalência de 1:3000, se estima que afetem cerca de 3500 indivíduos em Portugal. A formulação do projeto “EYS on gene editing for retinitis pigmentosa 25” teve na sua base um estudo de cohort na Unidade de Saúde Local de Coimbra que pretendeu identificar as mutações mais prevalentes na população portuguesa e compreender a progressão da doença ao longo do tempo. Esta investigação, que descreveu a história natural bem como o perfil genético e o fenótipo de 58 pacientes acompanhados por João Pedro Marques, foi publicada na revista científica Ophthalmology Retina.

Recentemente, os investigadores foram premiados pela Sociedade Europeia de Especialistas em Retina (EURETINA) com 300 mil euros para o desenvolvimento de tratamento para uma mutação do gene EYS, o principal causador da retinopatia pigmentar no território português e o terceiro a nível mundial. Esta distrofia hereditária da retina é uma doença rara sem cura que faz com que as pessoas deixem gradualmente de ver, começando pela diminuição da visão noturna (nictalopia) e perda de visão periférica. A maior bolsa EURETINA atribuída até ao momento possibilitará o estudo da retinopatia pigmentar que afetará pelo menos 2600 indivíduos em Portugal. Para contornar limitações associadas a veículos convencionais de terapia génica, a investigação vai recorrer ao prime editing, atualmente considerada a tecnologia de edição de genoma mais sofisticada e segura.

Henrique Alves é doutor em Neurociências (2014) pelo Netherlands Institute for Neuroscience com uma tese distinguida com o prémio F.C. Donders, galardão que reconhece a melhor investigação doutoral na área da oftalmologia nos Países Baixos. É licenciado (2005) e mestre (2008) em Bioquímica pela Universidade da Beira Interior, tendo desenvolvido parte do trabalho da sua dissertação enquanto bolseiro no Centro de Investigação em Ciências da Saúde (CICS-UBI). Foi investigador doutorado no Erasmus University Medical Center onde trabalhou na área da imunologia e da reumatologia. Numa outra posição postdoc no Leiden University Medical Center (LUMC) dedicou-se ao desenvolvimento e testagem de vetores de terapia génica para o tratamento de doenças degenerativas da retina causadas por mutações no gene CRB1. Desde 2019, é investigador no iCBR-FMUC (CIBB) onde estuda distrofias hereditárias da retina e ambiciona desenvolver novos modelos de doença e estratégias terapêuticas para prevenir a degeneração da retina e consequente perda de visão.

João Pedro Marques é doutor em Ciências da Saúde (2023) e mestre em Medicina (2010) pela Universidade de Coimbra. Possui desde 2015 o título de especialista em oftalmologia pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) onde é responsável pela Consulta de Oftalmogenética e membro das secções de Retina Médica e Cirúrgica. Desde 2016, integra o Retinal Dystrophies Expert Committee do EVICR.net e é investigador no iCBR-FMUC (CIBB). No mesmo ano, obteve o grau de fellow no European Board of Ophthalmology. Coordenou o Grupo de Patologia Oncológica e Genética Ocular da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia para o biénio 2021-2022. É avaliador no Coimbra Ophthalmology Reading Center. É, desde o presente ano de 2024, professor auxiliar convidado na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC).