Estudo liderado pela UC descobre mecanismos de alteração da perceção visual originados por psicadélicos

Os cientistas encontraram um mecanismo de alteração da resolução da visão central e periférica, que explica vários fenómenos visuais como a visão em túnel (que implica a perda de visão periférica). Este é mais um passo para a compreensão dos efeitos de psicadélicos no ser humano.

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Catarina Ribeiro
18 julho, 2024≈ 5 mins de leitura

Imagem que mostra o “alargamento” dos “pixels” com a DMT.

© DR

Um novo estudo, liderado pela Universidade de Coimbra (UC), revela um mecanismo que pode ajudar a explicar alguns dos fenómenos associados aos efeitos visuais dos psicadélicos. Em particular, foi encontrado um mecanismo de alteração da resolução da visão central e periférica, que explica vários fenómenos visuais como a visão em túnel (que implica a perda de visão periférica). Este é mais um passo para a compreensão dos efeitos de psicadélicos no ser humano, em particular os impactos no campo visual.

No artigo científico Rapid effects of tryptamine psychedelics on perceptual distortions and early visual cortical population receptive fields – recentemente publicado numa das revistas de maior renome da área da imagem cerebral, a NeuroImage – a equipa de investigação liderada pelo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e coordenador científico do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional (CIBIT) do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS) da UC, Miguel Castelo-Branco, estudou a ação da dimetiltriptamina (de forma inalada, com ação breve), conhecida como DMT, em diversos participantes.

A DMT é uma substância psicadélica natural que simula os efeitos de um neurotransmissor cerebral, a serotonina (que regula o humor, a sensibilidade sensorial, o sono, o apetite, a sexualidade, a resposta ao stress, a memória e outras funções cognitivas).

Na alteração da perceção que os cientistas identificaram, “o centro do campo visual pode aparecer como definido de forma muito precisa e a periferia de forma obscura e difusa”, explica Miguel Castelo-Branco. É como se “as pessoas com ação deste psicadélico tivessem pixels maiores no cérebro visual, o que diminui a resolução, que gera, por exemplo, distorção de objetos, sobretudo na periferia”, acrescenta.

Para conduzir esta investigação, foi usada a ressonância magnética funcional, técnica para estudar a atividade cerebral e as alterações funcionais das regiões que processam informação visual. Desta forma, os investigadores conseguiram “mapear modificações das propriedades de resposta das regiões do cérebro que respondem a estímulos visuais”, avança o neurocientista.

“A identificação de uma relação entre alterações dos mapas visuais e experiências percetuais surpreendentes, como a que aconteceu neste nosso estudo, abre as portas para relacionar alterações precisas dos mapas sensoriais com a emergência de fenómenos, como determinadas formas de alucinação incluindo alterações da perceção do espaço”, elucida Miguel Castelo-Branco.

Este estudo original no contexto português – que tem como primeira autora a estudante de doutoramento e investigadora do ICNAS, Marta Lapo Pais – insere-se num trabalho de investigação que Miguel Castelo-Branco lidera, que tem procurado “estudar os mecanismos de ação dos psicadélicos, a fenomenologia da perceção, os estados mentais envolvidos, e os seus potenciais efeitos terapêuticos”, avança o neurocientista.

“Pretendemos com esta investigação abrir novos caminhos para o entendimento do impacto dos psicadélicos nas dimensões afetivas, espirituais e cognitivas das pessoas, as respostas cerebrais que originam e os seus possíveis impactos do ponto de vista terapêutico”, sublinha o docente da UC.

Colaboraram também neste artigo outras investigadoras: Marta Teixeira (CIBIT e ICNAS), Carla Soares (CIBIT e ICNAS), Gisela Lima (ICNAS, FMUC e Universidade de Maastricht), Célia Cabral (Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia, Instituto de Investigação Clínica e Biomédica de Coimbra, FMUC e Centro de Ecologia Funcional do Departamento de Ciências da Vida da UC) e Patrícia Rijo (Instituto de Investigação do Medicamento - Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e Centro de Investigação em Biociências e Tecnologias da Saúde e da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias).

O artigo científico está disponível aqui.