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A NOSSA HISTÓRIA

Da criação do "Studium Generale" (1290) atè à sua fixação definitiva

Os estudos jurídicos remontam, em Portugal, à fundação da Universidade, durante o reinado de D. Dinis. A data exata da sua criação situa-se, com certeza, entre 1288 e 1290. É tradicional, embora não isento de controvérsia, o ponto de vista que reconhece a instituição do Studium Generale na carta dionisiana de 1 de março de 1290. De qualquer modo, a bula do Papa Nicolau IV que o confirmou, em 9 de agosto de 1290, representa, sem dúvida, o momento decisivo da legitimação aos olhos da Europa culta. Ora, logo então, a bula De statu regni Portugaliae encerrava uma referência expressa ao magistério do direito canónico e do direito romano. Aqueles que se graduassem teriam ubique, sine alia examinatione, regendi liberam potestatem. Tais diplomados podiam assim ensinar em qualquer parte do mundo cristão.Uma vez deslocada, em 1308, da sua sede inicial em Lisboa para Coimbra, foi outorgada à Universidade, ainda pelo monarca Lavrador, uma carta de privilégios, com data de 15 de fevereiro de 1309, onde se determinava que houvesse um doutor in Decretis e um mestre in Decretalibus, bem como um professor de Leis. Aliás, a Universidade encontrava-se, a princípio, composta de simples “cadeiras” e não de autênticas “Faculdades” no sentido moderno. Ao que se julga, a metodologia adotada nas aulas de direito seguiria de perto o modelo bolonhês, assente num discurso glosador que radicava em processos explicativos de exegese textual. Admite-se que se recorreria a três espécies de exercícios: as lectiones, as repetitiones e as disputationes.

Num caso de singular itinerância, a Universidade portuguesa continuou a viajar entre Lisboa e Coimbra até ao século XVI. Mas o que cumpre destacar é que, desde o começo, os cursos jurídicos ocuparam uma posição cimeira no nosso Estudo Geral. Sintomaticamente, estes cursos eram os que reuniam maior número de alunos, e as remunerações atribuídas aos respetivos professores eram muito mais elevadas do que as dos restantes. O domínio licenciado da ciência do direito, além de conferir poder e prestígio social, abria as portas ao desempenho de atividades rendosas, sobrepondo-se mesmo neste aspeto à medicina.

O ensino pátrio ficou longe, porém, de extinguir a atração pelas Universidades estrangeiras afamadas. O universalismo medieval, que inspirou a doutrina da unidade do mundo ocidental (respublica christiana), colocou na ordem do dia a mobilidade dos universitários (estudantes e professores), em plena idade do direito comum.

Embora sem grande sucesso, D. João II e D. Manuel I tentaram valorizar os nossos estudos superiores. Este último concedeu estatutos à Universidade, que traduzem, essencialmente, uma simples reposição sistematizada de preceitos em vigor nos fins do século XV. Consagram a existência de três cátedras remuneradas de Cânones e outras tantas de Leis. Por resolução do mesmo monarca, viria a ser criada uma nova cátedra de Cânones (a de Sexto).

Em 1431, aparecem já documentados os graus universitários de bacharel, de licenciado e de doutor. A inspiração italiana continuava a vingar nos métodos de ensino, servindo de pauta às poderosas exposições magistrais de teor romanístico e canonístico que encheram de erudição o período medievo.

De 1537 até à Reforma Pombalina (1772)

No ano de 1537, D. João III, com o intuito de promover uma reforma digna dos tempos renascentistas, instala definitivamente a Universidade em Coimbra. As Faculdades de Leis e de Cânones muito beneficiaram da atitude decidida do soberano. A generalidade dos professores viu-se exonerada, transitando para Coimbra apenas os enobrecidos pelo crédito científico. Gonçalo Vaz Pinto foi o único lente de Leis a merecer tamanha distinção, sendo reconduzido em funções na importante cadeira de Prima.

D. João III fez autêntica profissão de fé no enriquecimento do corpo docente universitário, à custa do prestígio e da ação de mestres insignes trazidos do estrangeiro. Avultam os nomes do canonista Martín de Azpilcueta, cuja fama e vencimento rivalizavam em grandeza, e dos civilistas Fábio Arcas de Narni e Ascânio Escoto. Por outro lado, atraíram-se os portugueses diplomados no estrangeiro que haviam atingido notoriedade. Assim sucedeu com Manuel da Costa e Aires Pinhel. Formados em Salamanca, afirmaram-se como juristas de alta estirpe e como poetas. Ainda neste grupo, devem incluir-se Heitor Rodrigues, também ele alumnus Salmanticensis, e o canonista Bartolomeu Filipe. Era o clarão do humanismo jurídico que raiava fugazmente pelo ensino do direito.

Após D. Manuel I, a legislação universitária, se bem que sofresse acrescentos e modificações mais ou menos sensíveis nos reinados de D. João III, D. Sebastião e Filipe I, só em 1598 viria de novo a merecer um diploma regulamentar de largo alcance. Trata-se dos Estatutos Filipinos, de 1598. Depois de revistos e confirmados por Filipe II (1612), e reconfirmados por D. João IV (1653), vigoraram até à reforma pombalina, tomando lugar na história com a designação de “Estatutos Velhos”, em confronto com os chamados “Estatutos Novos”, de 1772. Foi à sombra deles que Francisco Suárez emprestou ao ensino coimbrão invulgar esplendor e dignidade. Em Coimbra escreveu Suárez o seu De Legibus, obra fortemente influenciada pelos estudos de dois mestres conimbricenses (Francisco Rodrigues, Lente de Teologia, e Francisco Dias, Lente de Cânones), e que o consagraria como o mais elevado expoente do pensamento católico do seu tempo, no campo da reflexão teológico-filosófica, filosófico-política e jurídica.

O magistério do direito, segundo os “Estatutos Velhos”, dividia-se entre as duas Faculdades jurídicas existentes: a de Cânones, onde se dava a conhecer o Corpus Iuris Canonici, e a de Leis, onde se explicavam os preceitos contidos no Corpus Iuris Civilis. A Faculdade de Cânones compreendia sete cadeiras que faziam ressaltar a importância atribuída ao estudo das Decretais. Na Faculdade de Leis, o elenco das oito cadeiras professadas constituía uma projeção exata das diferentes partes em que a Escola dos Glosadores sistematizara a compilação justinianeia. Não era menos notória a interferência da Escola Bartolista no esquema de ensino adotado por ambas as Faculdades jurídicas. Certos passos do Corpus Iuris Civilis ou do Corpus Iuris Canonici eram lidos, analisados e comentados, sem nunca esquecer um minucioso cotejo das opiniões expressas pelos doutores mais ilustrados. Não cabe dúvida de que se vivia sob o império do “princípio de autoridade” e das autoridades.

Reforma Pombalina até ao final do séc. XIX

O reformismo iluminista do século XVIII promoveu a recriação de uma nova mentalidade que, em boa medida, logrou alcançar através dos Estatutos da Universidade, de 1772. Consumava este notável documento legal um processo evolutivo, desencadeado em 1770 pela “Junta de Providência Literária”, à qual fora cometida a tarefa de examinar as causas da ruinosa decadência da Universidade e de indicar as soluções para lhe pôr cobro.
Os resultados do trabalho da comissão vieram à luz no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra, no qual se retomaram críticas e sugestões procedentes da obra de Verney.

Figurou-se ao legislador pombalino que, sem um golpe abrupto de miúda regulamentação, não seria possível destronar o antiquado ensino de raiz escolástica. Os Estatutos assumiam-se, frontalmente, como o mestre dos mestres. Desde logo, para evitar contágio, lente algum anteriormente em exercício mereceu a recondução em funções. Continuou a divisão das Faculdades jurídicas, mas alterou-se o ensino tradicional no que dizia respeito ao elenco das disciplinas lecionadas. De 1772 em diante, os cursos iniciavam-se por um conjunto de cadeiras propedêuticas, em que avultavam matérias históricas e filosóficas. Nenhum direito, de acordo com os Estatutos, podia ser bem entendido sem um claro conhecimento prévio, tanto do “Direito Natural”, como da “História Civil das Nações e das Leis para ellas estabelecidas”, tornando-se estas “prenoções” indispensáveis para a verdadeira inteligência das leis e do seu genuíno significado. Afoitamente progressivo revelou-se ainda o legislador pombalino quando impôs, no último ano do curso, a legistas e a canonistas, a frequência de uma cadeira de direito pátrio. Do mesmo passo, invetivava , com aspereza, o facto de o direito português jazer até então em vergonhoso e profundo silêncio. Não obstante, o núcleo essencial dos cursos de Leis e de Cânones permaneceu cativo, respetivamente, do Corpus Iuris Civilis e do Corpus Iuris Canonici, posto que se encarassem estes textos de ângulos diversos dos tradicionais.

A par de um severo regime de assistência às aulas e de um não menos vigilante esquema de prestação de provas de aproveitamento, assentou o reformador setecentista em prescrever, com rigor inusitado, a conduta dos professores nas suas preleções. Sem rodeios, impugnou, como método de ensino, o secular método analítico, que sobreviveu apenas em duas cadeiras do final do curso, para o indispensável esgrimir dos alunos com a interpretação das normas. Em seu lugar, aparecia um novo método tomado do sistema alemão, que se designava de “sintético-demonstrativo-compendiário”. O professor devia proporcionar uma imagem geral da disciplina através da redução da matéria a um conjunto doutrinal ordenado e sistemático, subordinando a evolução expositiva a uma linha de crescente complexidade. Este método encontraria apoio na elaboração de manuais adequados, sujeitos a aprovação oficial. Mello Freire converteu-se no seu executor compendiário mais destacado.

Todavia, a revolução introduzida pela reforma pombalina no ensino do direito consistiu também na imposição de uma certa orientação doutrinal às diferentes cadeiras. Os Estatutos, qual mestre implacável, além de terem particularizado o programa das várias disciplinas, influíram decisivamente na eleição da escola de jurisprudência considerada preferível. Baniram, no que toca aos direitos romano e canónico, o método da Escola Bartolista e, a um tempo, sobredoiraram a reputação das diretrizes metodológicas oriundas da Escola Cujaciana. Em matéria de aplicação do direito romano a título subsidiário, decretaram a adoção da corrente do usus modernus pandectarum. No plano imediato, a confiança depositada nos resultados da reformação levou a que, em 1775, se determinasse que os bacharéis, licenciados e doutores das Faculdades de Leis e de Cânones ficassem habilitados pelas suas cartas de curso a exercer todos os lugares de letras, sem necessidade de qualquer outro exame.

Da Revolução Liberal até ao final do séc. XIX

A disciplina dos estudos jurídicos legada pelos Estatutos de 1772 foi retocada, com pequenos melhoramentos, nos começos do século XIX. Contudo, essas providências mal se experimentaram, pois a vida pública do País iria bem depressa atravessar um período de enorme intranquilidade.
O ensino superior chegou mesmo a ser suspenso.

O triunfo do liberalismo trouxe consigo uma expressiva reforma dos cursos jurídicos, que consistiu na criação da moderna Faculdade de Direito de Coimbra, resultante da fusão das duas Faculdades jurídicas tradicionais: a de Leis e a de Cânones. Embora sem avistarem a derradeira consequência, os Estatutos Pombalinos haviam dado o primeiro passo no sentido da unificação, ao estabelecerem um núcleo de cadeiras comuns a legistas e a canonistas. No seio da política liberal, esta opção afeiçoou-se ao propósito de desvalorizar o ensino do direito canónico e eclesiástico.

Ventilada em 1833, a ideia da reunião das Faculdades de Leis e de Cânones apenas se consumaria, após várias vicissitudes, durante a ditadura setembrista de Passos Manuel. Por Decreto de 5 de dezembro de 1836, substituíram-se as Faculdades de Leis e de Cânones pela Faculdade de Direito.
O estudo do direito pátrio transformou-se no objeto quase exclusivo dos três últimos anos do curso, desdobrando-se em direito público, direito civil (duas cadeiras), direito comercial e direito criminal. A economia política inaugurou a sua carreira nas Faculdades de Direito. A medicina legal tornou-se obrigatória para os quintanistas. Ainda no século XIX, deve referir-se a criação de uma cadeira de direito administrativo e princípios de administração e de uma cadeira de finanças.

Referência especial merece a circunstância de ter sido na Faculdade de Direito de Coimbra que se gerou o movimento kantiano-krausista português, que abriu um novo período da reflexão filosófica e filosófico-jurídica em Portugal. Iniciada a partir do ensino de Vicente Ferrer Neto Paiva (1843), esta corrente de pensamento desenvolveu-se e alargou-se (Dias Ferreira, Levy Maria Jordão, Costa Lobo), a ponto de ver muitas das suas propostas acolhidas pelo Visconde de Seabra, naquele que viria a ser um marco importante da Escola de Coimbra, o Código Civil de 1867.

As reformas da primeira metade do Século XX

Ao romper do século XX, a Universidade de Coimbra debatia uma remodelação global do seu ensino. Não insensível à necessidade de mudança, a Faculdade de Direito designou uma comissão integrada por três dos seus professores (Dias da Silva, Guilherme Moreira e Marnoco e Sousa), com o encargo de elaborar um relatório sobre a parte concernente ao respetivo magistério. O parecer emitido forneceu as bases da chamada reforma de 1901. Desde há algum tempo atrás que se assistia a uma progressiva introdução das conceções positivistas e sociológicas em várias disciplinas. A reforma de 1901 limitou-se a coroar semelhante orientação. E, assim, começou por fixar o ensino da sociologia geral reunido com a filosofia do direito numa única cátedra. À cadeira de direito penal pertencia também a análise sociológica do crime. Por seu turno, a história jurídica foi exalçada como um vasto laboratório de observação e comparação de factos sociais. Além disso, criaram-se as cadeiras de direito internacional, de administração colonial e de prática extrajudicial.

Sem prazo de respiro, abateu-se sobre a reforma de 1901 um coro de ferozes críticas. Depressa a Faculdade de Direito percebeu a necessidade de empreender modificações. A isso mesmo se devotaram os doutores Marnoco e Sousa, José Alberto dos Reis, Guilherme Moreira, Machado Vilela e Ávila Lima. Foram-se realizando alterações pontuais. No entanto, a Faculdade não demoraria muito a apresentar um projeto acabado de reforma, no qual Machado Vilela assumiu uma participação destacadíssima.

Consagrou-o em forma de lei o Decreto de 18 abril de 1911. O sistema delineado, que mostrava alguma inspiração do positivismo jurídico, representou uma arrojada transformação do direito que por então se ensinava. Incluiu o estudo da estatística, da economia social, do direito constitucional comparado, da legislação civil comparada, e da matéria das confissões religiosas nas suas relações com o Estado. Esta terá sido, entre nós, a reforma do ensino jurídico mais cuidadosamente preparada. Aconteceu, porém, que, no cômputo final, nunca chegou a ser plenamente executada.

Até meados do século XX, afiguram-se ainda credoras de menção as reformas de 1928 e de 1945. A primeira estabeleceu um curso geral de quatro anos, seguido de um curso complementar de um ano, com duas vertentes (a de ciências jurídicas e a de ciências político-económicas). A exigência de uma dissertação para a licenciatura (que se obtinha com a aprovação no curso complementar) visava enriquecer a formação dos estudantes e estimular o seu gosto pela investigação científica. Também suscitou aplauso a divisão do doutoramento, que até então era uno, nos ramos de ciências histórico-jurídicas e de ciências político-económicas.

Como corolário de consideráveis esforços preparatórios já detetáveis em 1941, surge a reforma de 1945. O curso de licenciatura, com a duração de cinco anos, aparece desenhado através de uma distribuição harmoniosa das matérias pelas várias disciplinas (anuais e semestrais). Neste plano curricular foram reforçados os estudos de Direito Civil e de Economia Política. Mas o seu objetivo primordial foi o de estimular a capacidade de análise e o espírito crítico dos estudantes, talvez cerceados pela reforma anterior, dado o peso excessivo da sua estrutura curricular.

Aos licenciados com informação final mínima de catorze valores abria-se a possibilidade de frequência do curso complementar, que preenchia um ano e constava da parte escolar e da elaboração de uma dissertação. Avançou-se na via da especialização do doutoramento, agora subdividido em três vertentes: ciências histórico-jurídicas, ciências jurídicas e ciências político-económicas.

Neste período, na sequência de Vaz Serra, Manuel de Andrade, Ferrer Correia e Afonso Queiró, a jurisprudência dos interesses ganhou o estatuto de verdadeira instância de controlo do discurso jurídico. Da mesma forma, concretizou-se o retorno da sociologia ao ensino do Direito Público (Rogério Soares), assim como se perfilaram correntes de sentido antipositivista (Cabral de Moncada, Pereira Coelho, Orlando de Carvalho, Castanheira Neves) e se abriu espaço à análise marxista (Gomes Canotilho, Avelãs Nunes, Vital Moreira). No âmbito jurídico-histórico, assumiram posição de relevo Paulo Merêa, Guilherme Braga da Cruz e Almeida Costa. Viriam a especializar-se, com Sebastião Cruz, os estudos romanísticos.

Na área das Ciências Económicas, o Doutor José Joaquim Teixeira Ribeiro (1908-1997) ocupa um lugar ímpar no nosso País. Tendo-se licenciado em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nela se doutorou em 1934 com uma tese sobre A Teoria Económica dos Monopólios. Verdadeiramente, começou aqui o seu trabalho pioneiro de introdutor da investigação da teoria económica em Portugal e de renovador do ensino das Ciências Económicas. Isto mesmo fui salientado por professores do Instituto de Ciências Económicas e Financeiras (actual ISEG), nomeadamente os Doutores António Pinto Barbosa e Manuel Jacinto Nunes, que, sob o impulso de Teixeira Ribeiro, desenvolveram a investigação da teoria económica no ISCEF, a partir dos anos 1950.

A crédito de Teixeira Ribeiro deve inscrever-se também a modernização da investigação e do ensino da Economia Política e das Finanças Públicas, com a divulgação, no nosso País, das teorias de Keynes e das políticas keynesianas. Ele fez, a partir de Coimbra, a revolução keynesiana.

Poucos professores podem apresentar no seu currículo uma contribuição tão decisiva para o progresso da ciência a que se dedicaram dentro das fronteiras pátrias como o Doutor Teixeira Ribeiro. Durante décadas, as suas Lições de Economia Política e de Finanças Públicas (sobretudo estas) foram adotadas nas Faculdades de Direito e de Ciências Económicas do nosso País.

A sua prolongada vigência só confirma o equilíbrio que tem sido atribuído à reforma de 1945, apenas interrompida pela que resultou do Decreto-Lei n.º 364/72, de 28 de setembro. Esta última procurou ser a resposta à “sensível desatualização do elenco das disciplinas em vigor há quase trinta anos” e à “excessiva rigidez” da estrutura unitária desse modelo. Neste sentido, consagra-se a repartição dos estudos por dez semestres (5 anos), tendo sido instituído o bacharelato, cujo grau era inerente à aprovação em todas as disciplinas dos três primeiros anos do curso. São reforçadas as áreas do Direito Constitucional, do Direito Penal e do Direito Administrativo, abrindo-se lugar ao estudo aprofundado dos Contratos e da Economia de Empresa. Apesar de continuarem a não ser disciplinas autónomas, a Ciência Política e o Direito do Trabalho passam igualmente a fazer parte do elenco do curso. O mesmo diploma introduz ainda os cursos de pós-graduação previstos no Decreto-Lei n.º 388/70, de 18 de agosto. Todavia, a organização destes cursos ainda demoraria algum tempo e a própria Reforma de 1972 não obteve uma aplicação integral.

As mudanças posteriores à Revolução de 25 de abril de 1974

Entretanto, ocorreu a Revolução de 25 de abril de 1974. Procurando acompanhar o novo quadro sócio-político instituído no País e o sentido da modernização, a Faculdade de Direito de Coimbra operou, no quadro da sua autonomia pedagógica e científica, várias reformas curriculares.

Afastada desde logo a hipótese de voltar à estrutura monolítica do plano de estudos de 1945, o qual se encontrava ainda em vigor para os últimos anos do curso, não pareceu inviável melhorar a Reforma de 1972. A partir de um “Relatório da comissão de reestruturação sobre as alterações a introduzir no ensino em 1975”, optou-se por uma via de flexibilização do currículo.

Determinou-se então a divisão do curso em dois ciclos: um “ciclo básico” destinado não só a situar o direito numa perspetiva económica, social, política, ideológica e histórica, mas também a oferecer todas aquelas matérias julgadas imprescindíveis a um jurista, qualquer que seja a sua especialidade; um “ciclo complementar” orientado para oferecer um aprofundamento da área eleita pelo aluno. Esta estrutura tem-se mantido até ao presente, com a alteração introduzida em 1979/80, ao reduzir o ciclo complementar de dois anos (o 4.º e o 5.º anos) para um (o 5.º ano). O atual plano de estudos encontra-se em vigor desde o ano letivo de 1988/89, apresentando um elenco constituído apenas por disciplinas anuais (Portaria n.º 914/89, de 17 de outubro).

O progressivo aperfeiçoamento do plano de estudos conduziu à introdução de novas disciplinas. Atribuiu-se autonomia à Ciência Política e instituiu-se a Sociologia do Direito. O Direito do Trabalho, o Direito das Empresas, a Teoria do Direito e do Estado, o Direito Público da Economia, a Metodologia Jurídica, a Filosofia do Direito e a Ciência Criminal passam igualmente a fazer parte do núcleo fundamental das disciplinas prelecionadas. No âmbito das disciplinas facultativas, surgem igualmente as novidades da Ciência da Administração, do Direito Bancário e dos Seguros, do Direito da Segurança Social, do Direito do Urbanismo, da Moeda e Crédito e da Política Económica.

Uma visão da Escola na atualidade

A Faculdade de Direito de Coimbra teve sempre uma intervenção relevante na vida jurídica e cultural do País.

As últimas gerações de professores têm honrado o prestígio pluricentenário da Escola, e alguns deles atingiram merecido prestígio internacional.

Sem nunca perder a feição construtivista, que tem sido a sua marca de contraste, a Faculdade de Direito de Coimbra tem percorrido, não raras vezes de forma irreverente, todas as grandes correntes metodológicas, desde os diversos jusnaturalismos e o positivismo exegético, ao sociologismo antimetafísico (Duguit), ao sociologismo materialista (Jèze), ao conceitualismo, à teoria pura do direito, à jurisprudência dos interesses, ao neo-hegelianismo, ao ordinalismo concreto, ao existencialismo, ao funcionalismo, à tópica, ao institucionalismo, ao marxismo, à fenomenologia, aos diversos neo-positivismos,
à teoria da argumentação, ao heideggerianismo, ao estruturalismo, etc..

Professores da Faculdade de Direito de Coimbra estão igualmente ligados às mais significativas reformas legislativas portuguesas das últimas décadas, ocupando lugar destacado na galeria de juristas que mais profundamente marcaram o século que agora se aproxima do fim. O Código de Processo Civil (J. Alberto dos Reis), o Código Civil (Vaz Serra, Pires de Lima e Antunes Varela), a legislação fiscal (Teixeira Ribeiro), o Código Penal (Eduardo Correia), a legislação comercial (Ferrer Correia) e o Código de Processo Penal (Figueiredo Dias) são os exemplos mais marcantes desta articulação dialética da Escola com a sociedade.

Apesar dos constrangimentos impostos pelo regime político dominante no nosso País entre 28 de maio de 1926 e 25 de abril de 1974, a Faculdade de Direito de Coimbra terá sido, talvez, a única Escola da Universidade portuguesa que sempre recrutou os elementos do seu corpo docente segundo critérios universitários, sem afastar ninguém por perfilhar ideias políticas ou ter atuação política contrárias ao Estado Novo.

Por outro lado, ao longo de várias gerações, os estudantes da Faculdade de Direito de Coimbra estiveram na primeira linha dos movimentos políticos, ideológicos e culturais que marcaram a história do nosso País e cimentaram a nossa consciência coletiva nos últimos dois séculos.

Como é natural, nem sempre estiveram do mesmo lado. Defenderam uns o absolutismo miguelista, o integralismo lusitano, o corporativismo, o nacional-sindicalismo, animaram o centenário de Pessoa, defenderam o Império contra o direito à autodeterminação dos povos colonizados; destacaram-se outros na defesa do liberalismo, levantaram a “questão coimbrã” e animaram o centenário de Camões, fizeram a greve académica de 1907, empenharam-se na revolução republicana, dinamizaram os movimentos da presença e do neorrealismo, comprometeram-se nos movimentos associativos estudantis que enfrentaram o salazarismo, contestaram a guerra colonial e ajudaram à “Revolução dos Cravos”. Hoje a Faculdade de Direito de Coimbra continua a ser uma escola plural, uma Casa de Cultura, uma Casa de Liberdade, onde investigam, ensinam e estudam cidadãos livres, onde se respeita e pratica a “liberdade de aprender e ensinar” que a Constituição da República a todos garante.