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Em busca de novos instrumentos para uma avaliação psicológica cada vez mais fiável de adultos em contexto médico-legal

O estágio na Delegação Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses representou para o Ricardo Afonso a oportunidade de juntar a prática e a teoria. Mas tem representado também o desafio de conciliar um estágio curricular e uma dissertação de mestrado. Apesar da intensidade necessária a esta conciliação, tem sido de forma positiva que tem levado esta experiência, que é orientada por Margarida Barreto, Alice Almeida e Margarida Dias (do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses) e por Mário Simões e Isabel Alberto (da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra), no estágio, e por Manuela Vilar (da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra), na dissertação Behavior Rating Inventory of Executive Function - Adult Version (BRIEF-A): Estudo de validação em contexto médico-legal. Conversámos com o estudante do mestrado em Psicologia Clínica Forense sobre os desafios de trabalhar nesta área, desvendando a forma como se avaliam pessoas a pedidos de tribunais, no âmbito de processos em curso.

Estás neste momento a realizar um estágio curricular aqui no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses que está a apoiar também a parte prática da tua dissertação de mestrado. Como é que se processa esta dinâmica de trabalho?

O estágio curricular tem servido para estar no terreno, para utilizar instrumentos e fazer uma análise da sua utilização, que me permita também perceber e começar a testar e validar o instrumento que vou usar no protocolo de intervenção que vou usar na minha dissertação de mestrado – chamado BRIEF-A, Behavior Rating Inventory of Executive Function na versão para adultos – com o objetivo de validar esse instrumento, ou não, para a utilização na medicina legal.

E como é que funciona esse instrumento que estás a testar, o BRIEF-A, Behavior Rating Inventory of Executive Function?

O BRIEF-A, Behavior Rating Inventory of Executive Function um instrumento que se foca nas funções executivas, que estão relacionadas, por exemplo, com as nossas competências comportamentais, como quando no dia a dia mudamos a nossa maneira de pensar perante obstáculos e situações diversas e precisamos de saber quais os comportamentos adequados e aqueles que devemos evitar. E isto afeta o planeamento das nossas ações, na avaliação dos nossos comportamentos, na regulação emocional, na planificação e organização de como operar em momentos mais complexos, a que não estamos habituados e que podem surgir do nada.

Resumidamente, o BRIEF-A é um questionário, um autorrelato, que avalia a maneira como as pessoas pensam acerca das suas funções executivas no quotidiano. Dando um exemplo, estas funções podem levantar questões como “canso-me facilmente?” ou “consigo terminar uma tarefa até ao fim?”, “tenho o armário desarrumado?”, esse tipo de perguntas relacionadas com a forma como alcançamos e respondemos a determinados objetivos.

O que é que pretendes analisar a partir da aplicação desta intervenção?

O questionário tem 75 itens, agrupados por 9 escalas, dividido por 3 índices, com três escalas de validade. O meu objetivo aqui é validar o processo, fazer a média dos itens de forma a perceber se tenho bons resultados. Também vou fazer uma comparação entre a amostra forense, ou seja, a amostra da medicina legal, comparando-a com a amostra da comunidade, já recolhida, e ver se há diferenças significativas entre as duas amostras. Além disso, e mais no âmbito da medicina legal, vou ver se há correlações entre as escalas do BRIEF-A com outros instrumentos de avaliação, tais como raciocínio/inteligência (Matrizes Progressivas de Raven), de personalidade (Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota 2), de desejabilidade social (Escala de Desejabilidade Social) e também de sintomatologia geral e/ou específica (Inventário de Sintomas Psicopatológicos).

Que novos entendimentos pretende trazer este projeto de mestrado?

No contexto médico-legal, as perícias de avaliação (neuro)psicológica forense devido às especificidades deste tipo de avaliação, são diferentes (das avaliações psicológicas clínicas). Por exemplo, aqui na avaliação psicológica forense, os psicólogos juntam a informação para chegar a uma conclusão acerca do estado mental do sujeito para informar o Tribunal. Ou seja, o Tribunal costuma ser o cliente, e não a pessoa [o sujeito avaliado]. E nós temos de responder aquilo que o Tribunal nos pergunta. E é neste contexto que é importante termos instrumentos que são bem validados para ajudar na escolha do protocolo e ter maior confiança na interpretação dos resultados que estamos a ter, para nos dar maior credibilidade no Tribunal. E, por isso, o meu objetivo com este projeto passa por validar esse instrumento – o BRIEF-A – neste contexto e contribuir, se os resultados assim o permitirem, para tornar o processo de perícias e na avaliação neuropsicológica forense cada vez mais fiável.

Claro que tendo pouco tempo para desenvolver a investigação, por se tratar de uma investigação de mestrado, tenho uma amostra mais pequena, mas acho que no futuro pode ser interessante arranjar uma amostra maior para ter maior confiança nos resultados e poder integrar o protocolo em medicina legal e outros contextos. Caso não seja eficaz, porque há sempre essa possibilidade, ficaremos a saber que não pode ser utilizado em contexto médico-legal. Poderemos também ver e analisar os pontos fracos da parte estatística e ver o que melhorar e quais são os pontos a cobrir quando se quiser tentar aplicar outro novo instrumento relacionado com as funções executivas.

Como é que surge o teu interesse pela área da Psicologia Forense?

O meu interesse surgiu primeiramente pela parte Forense, depois é que foi mais para a parte da Psicologia. E surge naquela fase em que uma pessoa é nova e vê aqueles programas de televisão [séries de investigação criminal]. Acho que todos tivemos aquela fase em que queríamos estar a trabalhar na área forense e eu continuei a ter esse gosto. Fiz bastante procura sobre tudo o que estivesse relacionado com a área Forense. O curso de Psicologia foi a minha primeira opção, mas já estava focado, desde o início, em especializar-me na área Forense.

É uma área que não é muito conhecida em Portugal, ainda está em crescimento no nosso país e, por isso, as pessoas não têm bem a ideia do que é “Forense” no contexto da Psicologia. Normalmente, quando digo que estou a trabalhar aqui no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses as pessoas perguntam-me se trabalho com mortos e eu tenho sempre que explicar que trabalho com Psicologia.

Quando eu entrei em Forense, queria trabalhar em intervenção, trabalhar com agressores porque pensava que ia trazer mais desafios, que ia ser sempre tudo novo, e que não iria cair na monotonia. Quando conheci a área da avaliação, preferi mais esta área e é aqui que eu estou a tentar seguir o meu caminho.

Como é que lidas com as fragilidades das pessoas que avalias?

Por um lado, penso que a pessoa que está à minha frente não é nosso cliente. Nós estamos a fazer o nosso trabalho, tentando responder aos pedidos do Tribunal. Obviamente, já fiquei bastante afetado com algumas histórias bastante pesadas. No início, e nesses casos, foi um bocado difícil de controlar as emoções e fazer tudo ao mesmo tempo: fazer a entrevista, passar os instrumentos, explicar e ainda gerir as reações das pessoas. Mas, felizmente, nunca aconteceu nenhum incidente grave.

Temos de nos lembrar que o nosso objetivo não é resolver o problema, mas sim responder às questões que o Tribunal nos enviou para serem respondidas na avaliação que fazemos. Mesmo que a outra pessoa [sujeito entrevistado] não colabore, nós só respondemos ao tribunal conforme aquilo que vimos e não mencionamos mais nada além disso. Tentamos explicar isso à pessoa, para ela se consciencializar e aí as pessoas ficam mais à vontade e mais recetivas. Explicamos sempre como funciona uma avaliação forense e que não há anonimato porque teremos de partilhar toda a informação importante com o Tribunal.

Quais são os maiores desafios do processo de construção de um projeto de investigação de mestrado?

A nível de construção do projeto, acho que não houve muita dificuldade por que já é uma área que já está a ser investigada por professores. Portanto, tinha umas linhas gerais já definidas. Sentei-me com a minha orientadora de disser, para tentar ver qual seria a melhor maneira de construir este projeto. E acho que a principal preocupação que tivemos foi fazer um projeto em que não tivesse demasiada exigência para o curto espaço de tempo que tenho para o desenvolver. Essa foi a principal preocupação. Tentámos pensar um projeto que fosse útil para a comunidade Forense, mas que também não fosse demasiado exigente para mim, de forma a conseguir conciliar a dissertação, o estágio, o relatório de estágio e outros desafios que vão surgindo.

Acho que o maior desafio tem sido conseguir obter a amostra necessária. Normalmente, muitas das pessoas que passam por aqui têm algum défice cognitivo e como eu apresento instrumentos de leitura, com centenas de perguntas, essas pessoas não conseguem realizar a prova. Acho que tem sido esse o maior desafio, conseguir arranjar pessoas que possam ser usadas no protocolo.

Tendo em conta que estás a fazer um estágio curricular e, em simultâneo, a dissertação, como é que tens conseguido gerir o tempo?

Nós temos de fazer aqui as horas semanais de estágio. E eu costumo ficar aqui de segunda a quinta, o dia todo, porque gosto de o fazer, gosto de aprender. É bom ter uma parte prática depois de um curso de quatro anos sem ter esta componente e acho que devemos tentar tirar o maior proveito da experiência. Costumo deixar a parte de dissertação mais para o fim de semana. E procuro não stressar demasiado com isso e ir fazendo a dissertação aos poucos.

Que conselhos darias a quem quisesse fazer um estágio ou uma dissertação na área da Psicologia Forense?

As pessoas que vêm fazer uma dissertação de mestrado querem fazer algo que seja um grande contributo para a ciência. Acho que são demasiado exigentes e acabam por querer fazer um projeto demasiado exigente. Mas é preciso pensar que o mestrado decorre num curto período de tempo e não podemos sobrecarregar-nos. Temos de conhecer os nossos limites, tanto psicologicamente, como fisicamente, e saber conjugar a nossa vida pessoal e a vida académica. Este foi um conselho dado pelas minhas orientadoras e acho que é um bom conselho.

Apoiem-se também bastante na família, nos amigos (que muitas vezes também estão a passar pelo mesmo) e, principalmente, nos orientadores. Nós já estamos sobrecarregados, mas eles estão mais sobrecarregados ainda. Não devemos esperar que estejam sempre “em cima de nós”, mas contactá-los sempre que precisarmos de ajuda, para desabafar, porque também já passaram por esta fase.

Produção e Edição de Conteúdos: Ana Bartolomeu, DCOM, Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 17.06.2022