/ Como se Desenha uma Investigação

Dançar para alcançar novos encontros entre a arte e a tecnologia

A dança é para a Maria Rita Nogueira um espaço de liberdade. E é essa liberdade que quer transmitir a quem, de algum modo, sente desconforto com esta expressão artística e corporal. Com o projeto de doutoramento Interactive Art Augmentation: A new and inclusive approach for Art Creation, orientado por Paulo Menezes e José Maçãs de Carvalho, a estudante do doutoramento em Arte Contemporânea do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra recorre ao design de interação e à dança para aprofundar novas ligações entre a arte e a tecnologia, procurando encontrar formas em que as duas áreas não sejam apenas complementares, mas antes uma união. Foi durante o seu percurso na licenciatura e mestrado em Design e Multimédia, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, e com o ingresso no Instituto de Sistemas e Robótica da Universidade de Coimbra que percebeu que havia espaço para cruzar a interação e a programação com a dança e foi assim que nasceu o seu caminho no doutoramento, em que junta a paixão pela dança e o fascínio pelas novas tecnologias.

Qual é o projeto de investigação de doutoramento que estás a desenvolver?

Estou a desenvolver um trabalho que se situa nas new media arts e que é bastante experimental pois envolve uma grande componente de investigação prática. É um trabalho particular, que resulta da interseção transdisciplinar entre a dança, o design e a tecnologia. Ao cruzar o movimento da dança com a interação humano-computador, este trabalho tenta trazer para o público, e também para o artista, uma simbiose que resulta de diferentes áreas e não uma ligação de peças paralelas. Um dos principais desafios e contribuição deste projeto de investigação é, sem dúvida, a criação de uma prática artística que explora diferentes áreas (como o movimento do corpo e a programação com o propósito interativo), mas tendo como objetivo a comunicação e cruzamento de todos os elementos entre si, em prol de um mesmo resultado final. O que habitualmente acontece é que há vários trabalhos de arte e tecnologia cujas partes integrantes estão um pouco soltas e o resultado não é uma composição das duas. E essa união é um dos maiores desafios do meu trabalho de investigação.

Que novos entendimentos pretendes trazer com o projeto?

Gostava de trazer uma nova abordagem à exploração de novas práticas, tanto para o artista como para o espectador. E, sobretudo, gostava de conseguir encontrar uma nova forma de aproximar o público da arte. No caso da dança, o público retrai-se no momento em que lhe é pedido que se envolva com o artista e através da tecnologia e interação acho que podemos conseguir, de uma forma mais subtil e descontraída, aproximar o espectador da arte, deixando de ser apenas um espectador e sendo também um atuador.

Tens feito várias atividades para apresentar o teu trabalho de cruzamento entre a arte e a tecnologia ao público. Como é que preparas o processo de apresentar às pessoas a articulação entre as duas áreas?

Os trabalhos que tenho desenvolvido são casos de estudo de várias explorações que tenho vindo a fazer. O processo de construção destas composições coreográficas é complexo e nem sempre é um trabalho organizado. Porquê? Porque a dança e a composição coreográfica podem depender da tecnologia e, no meu caso, a tecnologia não depende tanto da dança. E a minha preocupação passa sempre por perceber se é possível desenvolver tecnologicamente aquilo que estou a pensar. Por isso, acabo sempre por começar pela parte da programação e da interação, para perceber o que é possível fazer a nível de composição visual e performance e o que daí pode resultar. Como todos os trabalhos práticos são sempre diferentes, o processo de criação também acaba por não seguir uma linha de desenvolvimento rígida e igual para todos os casos de estudo.

Por exemplo, o trabalho que desenvolvi para apresentar na exposição Motel Coimbra #5 (mostra que reúne trabalhos dos estudantes do doutoramento em Arte Contemporânea do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, que pode ser visitada até 14 de janeiro de 2022) foi um pouco diferente, porque estava a escrever um capítulo da tese dedicado à aproximação entre a dança e o design na aplicação concetual de composição visual, como o Princípio de Gestalt, para explicar como é que o mesmo processo é utilizado nas duas áreas. Para desenvolver o conceito deste trabalho, fiz um protótipo muito simples, com uma composição visual em grelha comigo a dançar em diferentes tempos. Depois, esse vídeo foi convertido num algoritmo, para que a interação acontecesse em tempo real e para apresentar este trabalho na sua vertente performativa. O conceito deste caso de estudo é a variável do tempo, é o facto de dançarmos em tempo real e podermos tocar o nosso movimento que foi dançado num passado próximo, fazendo deste diálogo entre movimentos em diferentes momentos temporais uma composição visual. Através da tecnologia consigo observar os segundos que dancei anteriormente com o tempo real em que estou a dançar. A partir desta base tecnológica consigo explorar artisticamente diferentes composições visuais com o movimento passado e com o presente. Quanto à ligação com o futuro, acho que um dia vai ser possível, através de mecanismos de machine learning, que conseguirão prever o movimento futuro a partir do que já foi treinado. Para já, podemos ver o futuro através da minha dança em tempo real, enquanto que o passado e o presente estão na projeção, porque o espectador pode optar pelo tempo que observa enquanto assiste à performance.

O processo de apresentar as várias composições coreográficas ao público tem sido muito interessante, porque através delas consigo perceber em quais é que as pessoas se envolvem mais. Na instalação que levei ao Criatech foi possível explorar a relação das pessoas e talvez essa seja uma das partes que mais me encanta, que passa por analisar o comportamento de cada espectador perante uma instalação que depende do seu próprio movimento. Gosto muito de perceber por que motivo é que pessoas querem experimentar a instalação, como é que se envolvem com esta e se este formato de instalação proporciona a emancipação do público. E esse é um dos grandes propósitos do meu trabalho, fazer com que as pessoas se aproximem da arte e da tecnologia e da dança através do movimento e que vivam uma experiência diferente.

A componente artística é fundamental para o projeto que estás a desenvolver. Como é que tem sido o processo de construção de um projeto que tem esta componente tão marcada?

Na parte do estado da arte, a tese aborda muito a génese da arte contemporânea e explora a arte e a tecnologia, sobretudo no século XX. E há um momento na tese em que começo a mobilizar trabalhos que fiz anteriormente para explicar as ideias e os conceitos que quero provar. Os meus trabalhos artísticos acabam por ser apresentados como referência. A parte experimental vem depois, nos restantes capítulos, onde trabalho os diferentes conceitos a partir de diferentes casos, como é o caso de uso da integração de mecanismos de realidade aumentada para perceber qual é o espaço que ocupo enquanto estou a dançar, ou o caso da exploração do tempo, que referi na questão anterior, entre outros conceitos que serão apresentados em breve.

Como é que a possibilidade de fazer um doutoramento surgiu no teu caminho?

No primeiro ano da licenciatura, não equacionava sequer fazer um mestrado. Na altura, o meu objetivo era fazer a licenciatura em Design e Multimédia e posteriormente seguir a área da dança. Quando comecei a envolver-me com o design comecei a perceber mais sobre comunicação e composição visual. E a partir do mestrado, comecei a olhar de outra forma para o design e para a dança e a encontrar aí um espaço para explorar a sua relação. Nessa altura já ponderava a ideia de seguir para um doutoramento que unisse a dança e as novas tecnologias.

O que é que tem sido mais desafiante no doutoramento?

O maior desafio tem sido conciliar a componente de investigação científica com a parte de desenvolvimento artístico. Quando estou a escrever preciso de estar focada na escrita, mas como desenvolvo um trabalho que exige criação artística, por vezes preciso de saber quando cortar a escrita e a leitura e colocar as mãos na massa para desenvolver a parte artística, porque isso também é investigação. E a minha maior dificuldade passou por encontrar este balanço.

Gostarias de partilhar algumas dicas com os/as estudantes que estão também a desenvolver um projeto de investigação?

Vou deixar uma sugestão que eu sigo: ter a mente aberta, porque muitas vezes estamos tão fechados no trabalho que queremos desenvolver e não queremos aceitar sugestões de fora. Acho muito importante termos sempre uma atitude recetiva! Muitas vezes podemos considerar que determinadas áreas podem não estar relacionadas com o nosso trabalho, mas a verdade é que essas áreas podem dar-nos pormenores que podem fazer a diferença no desbloqueio da nossa mente. Gostava também de partilhar que nunca devemos deixar de investir em nós. Podemos passar o dia dedicados ao nosso trabalho, mas devemos também reservar tempo para aprender mais porque isso vai trazer sempre algum retorno para a nossa investigação e para o nosso percurso. E nunca se isolem, conversem sempre com alguém.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Fotografia: Paulo Amaral, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 22.11.2021