4 voos no Museu, Um com Dormida Incluída

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Ana Cristina Tavares

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

Conseguir voar! Forte ambição desde os primórdios da Humanidade. Recordemos Leonardo da Vinci, no século XV, e os seus desenhos, como hélices e paraquedas, e o modelo de avião em forma de ave. Não esquecer os irmãos Montgolfier que conceberam o balão de ar quente, tripulado e lançado em 1783 e Jacques Charles, o primeiro a substituir o ar do balão por hidrogénio.

Também em Coimbra, Bartolomeu de Gusmão, sacerdote jesuíta e inventor, terá criado o primeiro aeróstato operacional, a “Passarola” (séculos mais tarde referida na “Pedra Filosofal” de António Gedeão). Matriculado em 1708 na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, o luso-brasileiro frequentou o Colégio de Jesus, hoje um dos edifícios-sede do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (MCUC). Concretizou uma petição ao rei D. João V e terá efetuado o primeiro voo no Terreiro do Paço, Lisboa, em 1709, 74 anos antes do famoso balão dos franceses Montgolfier.

Mais tardiamente, em 1880, o Homem passou a utilizar planadores, depois dirigíveis, mais tarde máquinas mais pesadas do que o ar, os aviões, conseguindo responder ao grande desafio de voar, tão fácil de observar nas Aves, de que se apresentam quatro exemplos da vasta coleção do MCUC.

O Açor (Acipiter gentilis L.), ave de rapina diurna de hábitos discretos, tem voo poderoso e rápido, notável pelos habilidosos movimentos na perseguição das presas. Habita as regiões temperadas do hemisfério norte, em Portugal mais frequente a norte e junto ao litoral (Fig. 1). O açor, com o falcão e o gavião, são dos mais implacáveis caçadores.

Com um comprimento até 65 cm, cor preta e ventre branco com manchas pretas, envergadura de 160 cm, nas fêmeas, maiores que os machos, asas e bico pretos, cauda cinzenta, manchada de branco, o açor tem estatuto de conservação vulnerável (VU) em Portugal e LC (Least Concern) a nível global.

É a ave representativa da bandeira dos Açores, desde a descoberta do arquipélago, concluindo depois ser uma sub-espécie local da águia de asa redonda (Buteo buteo), hoje conhecida pelos açorianos como "milhafre" ou "queimado". O termo “Açores” provém do nome “Azzurro” (italiano) ou “Azureus” (latim), “Azul” em português, pelo céu azul aquando do descobrimento das ilhas, outra teoria, sustentada pela indicação de que as ilhas dos Açores já apareciam em portulanos, registos medievais relativos às rotas marítimas genoveses do século XIV.

A Serra do Açor, Reserva da Biodiversidade, deve o seu nome `a ave, característica da região, além da coruja-do-mato, gavião, cuco, gralha-preta, gaio e pombo-torcaz, exemplares também parte da coleção do Museu.

O colheireiro (Platalea leucorodia L.) (Fig. 2), branco e de pescoço bem estendido em voo, bico comprido e silhueta inconfundíveis, ocorre em Portugal durante todo o ano, mais abundante a sul que a norte, com maiores concentrações no Verão e início do Outono. Apresenta um dos bicos mais estranhos da nossa avifauna: comprido, lembrando uma colher, e achatado na ponta, é usado como «espátula» para varrer os lodos e fundos aquáticos em busca de alimento.

Nativo de África, desde a Namíbia e Moçambique até à Etiópia, exibe em voo movimentos de balanço rápido e gritos estridentes, tem asas azuis e um voo de cortejo fantástico, com mergulho rápido e desde muito alto, rolando sobre si próprio (o que lhe dá o nome vulgar), é o rolieiro-de-peito-lilás (Coracias caudata L.) (Fig. 3). É uma ave com cerca de 36 cm de comprimento e tem plumagem muito colorida e caracterizada pelas faces e peito roxo. O topo da cabeça é verde-claro, o dorso é castanho e a barriga azul vivo. O rolieiro-de-peito-lilás tem uma cauda comprida com retrizes exteriores muito longas, o bico e os olhos são negros; possui um "arco-íris" de cores nas penas e por vezes é confundido com o rolieiro-roxo (Coracias naevia), do qual se distingue pelas penas longas e retas da cauda.

A época de reprodução é entre agosto e dezembro e sempre a 6-7 metros do solo, em ninhos aproveitados de cavidades naturais de troncos de árvore. Cada postura tem 2 a 4 ovos de cor branca, a incubação em três semanas, e os cuidados parentais aos juvenis, durante um mês, são partilhados por ambos os progenitores.

O rolieiro-de-peito-lilás é um residente comum na sua área geográfica e não se encontra em risco de extinção.

O flamingo (Phoenicopterus roseus Pallas) (Fig. 4), de voo rápido e direto, com batidas firmes de asas e pescoço e pernas esticadas, caracterizam esta espécie migradora. Curiosamente, para voar centenas de quilómetros sem tocar em terra, muitas aves dormem em pleno voo, por períodos muito breves, conforme estudos comprovados por Niels Rattenborg (Instituto Max Planck de Ornitologia na Baviera, Alemanha).

É comumente assumido que as aves migratórias mantêm a consciência e o controlo aerodinâmico dormindo apenas com um olho fechado e um hemisfério cerebral de cada vez (Rattenborg et al., 2016).

O significado do nome científico do flamingo deriva do grego, phoinikopteros - que possui as asas vermelhas, ou penas das asas vermelhas; e do latim, ruber - vermelho, rubro, ou seja, ave com as penas das asas ou as asas vermelhas.

Há partes do corpo dos flamingos cuja coloração avermelhada das plumas se deve à ingestão de alimentos ricos em carotenóides, que se depositam nas penas, sendo a intensidade da coloração proporcional à quantidade dos pigmentos na dieta; se ausente na alimentação as novas penas serão muito claras ou esbranquiçadas.

Alimenta-se basicamente de plâncton, algas, insetos, larvas, crustáceos e pequenos moluscos. Para isso coloca o bico na água e funciona como uma bomba, e ao mesmo tempo um filtro, sendo a água sugada juntamente com os nutrientes.

Os flamingos habitualmente voam para Portugal nos meses mais frios, em busca de alimento, provenientes de locais onde nidificam, Grécia, Tunísia, Itália, França (Camargue), Espanha (Doñana e Fonte de Piedra) e só costumavam estar de passagem pelo Algarve.

A pandemia 2020-2021 e a seca em Espanha poderão ajudar a explicar a mudança verificada no início do verão 2021: confirmado pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), uma colónia de flamingos nidificou com sucesso em Portugal pela primeira vez, na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, onde os flamingos podem ser observados nas lagoas salobras, rasas, sem vegetação, próximas do mar.

Como habitualmente, os flamingos construíram os ninhos de lama em forma de cone, com a parte de cima rasa e apenas um ovo (às vezes, no chão), grande, de cor branca e de casca dura. Após 28 dias de incubação nasce o filhote, que nos primeiros meses apresenta uma coloração cinza e branca e a plumagem só fica definitiva aos 3 anos. Trata-se de uma espécie bela e rara. Alimenta-se, descansa e reproduz-se em grupos variáveis, frequentemente grandes, embora alguns indivíduos vagueiem solitários.