UBI investiga causas genéticas da diabetes

08 march, 2023≈ 6 min read

O Centro de Investigação em Ciências da Saúde (CICS-UBI) localiza-se na Universidade da Beira Interior na Covilhã e é a principal unidade de investigação em saúde do interior do país. Desde a sua criação há cerca de 20 anos, esta unidade tem vindo a crescer e a afirmar-se na investigação da origem de várias doenças e em soluções biotecnológicas para o seu diagnóstico e tratamento. Conta com cerca de 70 investigadores doutorados e mais de duzentos colaboradores, entre técnicos, estudantes de mestrado e de doutoramento, e profissionais de saúde.

Uma das áreas de atuação do Centro é a investigação das causas genéticas da diabetes. A diabetes (cuja designação médica mais correta é diabetes mellitus) é uma doença crónica caracterizada por aumento dos níveis de açúcar no sangue por falta de insulina ou por defeitos na ação desta hormona. Quando não é diagnosticada e tratada corretamente, pode associar-se a muitos outros problemas de saúde. Estima-se que existam mais de 1 milhão de pessoas com diabetes em Portugal. Existem dois tipos principais de diabetes. A diabetes tipo 1, que corresponde a menos de 10% dos casos, afeta tipicamente as crianças e jovens e implica o tratamento com injeções diárias de insulina. Este tipo de diabetes tem origem autoimune, isto é, resulta da desregulação do sistema imunitário da pessoa, levando a que o próprio corpo ataque as células do pâncreas que produzem insulina. A diabetes tipo 2, que corresponde a cerca de 90% dos casos, afeta tipicamente o adulto e resulta sobretudo do excesso de peso e falta de atividade física. Muitas vezes pode ser corrigida com dieta, mas frequentemente necessita de tratamento com comprimidos e por vezes também de insulina.

Embora esta classificação da diabetes funcione na maioria dos casos, existe uma pequena proporção de casos (cerca de 1 a 2%) que não se encaixa em qualquer um destes tipos de diabetes. Estes casos são formas de diabetes hereditárias que surgem devido a mutações genéticas que são transmitidas de pais para filhos. Este tipo de diabetes hereditária designa-se por MODY (“Maturity Onset Diabetes of the Young”) mas infelizmente está subdiagnosticada em Portugal, isto é, os casos de MODY estão frequentemente mal diagnosticados como sendo casos de diabetes tipo 1 ou tipo 2. Mesmo parecendo raro (1-2% do total de casos de diabetes), o grande número de pessoas com diabetes em Portugal implica que vários milhares de pessoas têm diabetes MODY sem o saber. Por vezes, só ficam a saber da sua forma exata de doença algumas décadas depois do início da diabetes.

Esta lacuna no diagnóstico correto da diabetes tem infelizmente algumas desvantagens para as pessoas. Em primeiro lugar, o tratamento da diabetes tipo MODY é frequentemente diferente do tratamento das outras formas de diabetes. Por exemplo, se concluirmos que uma criança ou jovem tem MODY em vez de diabetes tipo 1, o tratamento mais eficaz poderá ser à base de comprimidos em vez das injeções de insulina. Isto é muito importante porque quando a diabetes surge num jovem, a tendência é quase sempre classificar a diabetes como tipo 1 e começar com injeções de insulina para o resto da vida. Ora, se o jovem tiver MODY, o tratamento poderá ser muito mais simples e eficaz, com comprimidos em vez de insulina. Mas há outras vantagens em fazer o diagnóstico correto. Quando se conhece o defeito genético responsável pela diabetes, muitas vezes é possível prever o comportamento da doença e ajustar o seguimento médico de forma mais adequada. Por outro lado, conhecendo a forma de transmissão do defeito genético na família, é possível identificar outros familiares em risco de desenvolver a diabetes e conseguir a sua identificação e tratamento precoce.

Para dar resposta a esta necessidade médica, o CICS-UBI está a desenvolver técnicas de sequenciação e análise do genoma humano para identificar os problemas genéticos na origem destas formas hereditárias de diabetes. A partir de uma simples colheita de sangue, será possível analisar o ADN do doente e concluir em definitivo qual é afinal o tipo de diabetes que este tem. Dado que envolve técnicas dispendiosas, numa primeira fase, o estudo será dirigido prioritariamente a pessoas com diabetes diagnosticada antes dos 25 anos de idade e que tenham outros familiares com diabetes. Esta é a situação em que será mais provável encontrar-se uma causa genética para a diabetes. Até ao momento, já foram identificadas mais de duas dezenas de famílias com esta forma de diabetes e prevê-se o estudo de mais 200 doentes no primeiro semestre de 2023.

Este projeto está a ser desenvolvido em colaboração com unidades de saúde na área da diabetes, de todo o país, e com vários especialistas da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Do ponto de vista dos trabalhos laboratoriais, o projeto conta com uma equipa de 4 investigadores a tempo inteiro (dois na área da sequenciação genética e dois na área da bioinformática), coordenada por um médico especialista em endocrinologista que faz a ligação às unidades de saúde onde os doentes são seguidos. O financiamento para este projeto foi atribuído pela CCDRC (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro) no âmbito de uma aposta estratégica na área da “medicina personalizada” com base genómica. Esta é uma área da medicina de que se vai ouvir falar muito no futuro e que tem como objetivo a utilização da informação genética individual para “personalizar” o tratamento, ou seja, para oferecer o medicamento certo, no momento certo, para a pessoa certa.

Manuel C. Lemos

Médico Especialista em Endocrinologia

Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Oxford

Professor Catedrático de Medicina na UBI

Artigo primeiramente publicado na revista Pais Positivo (https://www.facebook.com/paispositivo1/photos/a.707240196017769/8402623166479395/)