Três momentos de leituras de poemas de Bénédicte Houart, Manuel António Pina e Adília Lopes, numa iniciativa organizada pela Imprensa e Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, integrada na programação convergente da Semana Cultural da UC.

Com base em livros sobre a obra de Bénédicte Houart, Manuel António Pina e Adília Lopes (coleção Poesia XXI, Imprensa da Universidade de Coimbra, coord. Osvaldo Silvestre) três momentos, em três diferentes espaços da Biblioteca Geral da UC vão acolher leituras de alguns poemas. Às 14h00, na Sala de Leitura, alunas do mestrado em Escrita Criativa/FLUC vão ler Bénédicte Houart. Num espaço menos conhecido, um pátio interior da BGUC, estudantes do Curso Profissional de Interpretação/Ator/Atriz do Colégio São Teotónio apresentam a obra de Manuel António Pina, pelas 16h. E, a finalizar, o Coro da Casa da Esquina vai dizer Adília Lopes, no Átrio da BGUC, às 18h. Serão breves momentos (até 20 minutos) com acesso livre.

Semana Cultural da Universidade de Coimbra


Iniciativa conjunta da IUC e da BGUC integrada na programação convergente da Semana Cultural da Universidade de Coimbra, na edição de 2024 dedicada ao tema «A voz»

POESIA XXI

A Imprensa da Universidade de Coimbra começou a publicar, no final de 2016, a coleção POESIA XXI. Com coordenação de Osvaldo Silvestre, a coleção possui um conselho editorial que integra ainda José Augusto Cardoso Bernardes, Carlos Mendes de Sousa, da Universidade do Minho, e Pedro Serra, da Universidade de Salamanca.

A coleção, que se inspira no exemplo da coleção «Ciranda da Poesia», editada desde 2010 pela Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sob a direção de Italo Moriconi, responde ao propósito de fazer conhecer mais de perto os nomes mais significativos da poesia e da crítica portuguesas de hoje, além de contribuir para ensinar a ler poesia pela demonstração prática da análise de poemas. Os livros, em formato de bolso, oscilam entre as 80 e as 120 pp., e dividem-se genericamente em duas partes: 1) uma breve apresentação da obra do poeta; 2) uma breve antologia, acompanhada de comentário a alguns dos poemas.

Bénédicte Houart nasceu em 1968, na Bélgica. Filha de pai belga e mãe portuguesa, teve o francês como língua materna. Aos seis anos mudou-se com a família para Portugal. Rapidamente se apropriou do português. Estudou filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, primeiro numa licenciatura, depois num mestrado. Desenvolveu trabalho como atriz e performer em Coimbra, tendo composto, para o Teatro do Morcego, a peça “Cavaremos até morrer”, encenada em 1998. Entre 1997 e 2005, trabalhou como docente do curso de filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em estética. Embora a escrita a acompanhe desde a adolescência, é já depois dos trinta anos que se propõe publicar. O seu primeiro livro, em 2005, será já o de uma autora adulta. Em 2006, uma queda da varanda do seu apartamento no Porto, um quarto andar, condu-la a prolongados e sucessivos internamentos hospitalares. Se a morte já era uma referência dos seus textos, a proximidade da morte, a sua e a dos outros, marcará de forma permanente a sua escrita. Atualmente, dedica-se à escrita, à música e à tradução.

Manuel António Pina (Sabugal, 1943 – Porto, 2012) recebeu o Prémio Camões em 2011, entre vários outros. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, exerceu advocacia mas acabou por se decidir pelo jornalismo, que exerceu ao longo de trinta anos no Jornal de Notícias, onde aprimorou o seu estilo, em especial na crónica. Entre a sua estreia poética em livro com Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde (1974) e Como se desenha uma casa (2011), publicou uma dúzia de títulos de poesia, por duas vezes reunidos num só volume, primeiro na Afrontamento (1992), depois na Assírio & Alvim (2001). A sua poesia encontra- se traduzida em muitas línguas. Escreveu um único romance, Os papéis de K. (2003). A sua obra direcionada para o público infanto-juvenil é uma das mais importantes da literatura e cultura portuguesas, composta por dezenas de títulos, entre ficções, poemas e textos dramáticos. Foi também ensaísta, destacando-se Aniki-Bóbó, já póstumo (2012).

Adília Lopes (1960) apresenta-se nos seus versos como uma freira poetisa barroca portuguesa. O percurso meteórico da sua obra na literatura portuguesa poderia ser um case study de como uma poesia marginal alcança o coração do cânone literário ou sobre como deixar “prognósticos só para o final do jogo.” Autora de uma poesia inteligente e provocadora, Adília Lopes passou das primeiras edições de autor, obras de culto de uma minoria, a ser lida nas salas de aula de Literatura Portuguesa um pouco por todo o mundo. Este percurso tem o seu clímax na publicação de Dobra, a poesia reunida em obra completa pela Assírio & Alvim, em 2009. Encontramos ecos da sua obra em vários campos da nossa contemporaneidade, sejam estes os da arte, com as gravuras que Paula Rego lhe dedica, ou o da música, em letras de bandas como A Naifa.

O título da iniciativa

«As vozes. A propósito de estrelas, pus-me a escrever um poema.» reúne o início de um poema de cada um dos autores.

As vozes

de Manuel António Pina

A propósito de estrelas

de Adília Lopes

pus-me a escrever um poema

de Bénédicte Houart

A infância vem
pé ante pé
sobe as escadas
e bate à porta

– Quem é?
– É a mãe morta
– São coisas passadas
– Não é ninguém

Tantas vozes fora de nós!
E se somos nós quem está lá fora
e bate à porta? E se nos fomos embora?
E se ficamos sós?

Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas

pus-me a escrever um poema
fosse tal e qual uma pedra e
acertasse sempre no que
eu bem quisesse
se parti alguma coisa, pois
não faço ideia
o que garanto é que
não fui multada
até recebi direitos de autor
ainda que injustamente
a pedra era obviamente um plágio
quanto ao poema, quem sabe

PINA, Manuel António, Nenhuma palavra e nenhuma lembrança, Lisboa: Assírio & Alvim, 1999

LOPES, Adília, Quem Quer Casar Com a Poetisa?, Quasi Edições, 2001

HOUART, Bénédicte, Vida : variações, Cotovia, 2008