Som e Silêncio nas Bibliotecas

AA

A. E. Maia do Amaral

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

Registo entre os profissionais de bibliotecas o agrado cada vez maior com que acolhem o ruído, para eles um atestado de que a “vida” entra na biblioteca. Associam o silêncio à opressão dos Regulamentos, que impedem essa vida de se manifestar, se não mesmo à decadência e à morte da instituição. Os avisos de “Silêncio” são para eles coisas do passado, a remover rapidamente dos espaços.

Penso que há aqui um equívoco fundamental: em condições normais, só no fim da infância-início da adolescência é que a afirmação individual passa pelo nível de ruído produzido. Nessa idade, é normal alguma exuberância; depois, deixa de ser assim, porque devemos desenvolver outras ferramentas para afirmar que existimos e para dizer quem somos. Entre jovens adultos, a normalidade será de alguma contenção de comportamentos… sonoros. Só numa biblioteca pública admito a necessidade de um ruído-base, funcional, até porque aí não se incentiva a leitura local, os livros são para serem requisitados e lidos em casa.

Pelo contrário, numa biblioteca universitária, o silêncio pode ser um valor a preservar. Talvez o valor mais importante que resta, quando os seus recursos documentais parecem ameaçados pelo online. Se numa biblioteca pública se pode admitir que o silêncio seja exceção, numa biblioteca de estudo essa exceção terá de ser o ruído: as salas de trabalho colaborativo são sempre fechadas e afastadas da leitura geral.

O silêncio da Sala de Leitura de uma biblioteca universitária é até um dos maiores fatores da sua atratividade. É isso que os utilizadores dizem nas redes sociais e que reforçam nos inquéritos periódicos de satisfação. Escasseiam na cidade locais de conforto acústico e quem quer estudar com ruído pode ir para um café! Porque este não é o silêncio da falta de vida ou do nada a acontecer, é um silêncio necessário para nos ouvirmos a nós próprios ou para nos deixar escolher a nossa própria música, silenciosa para os outros.

Não entender isto e ir atrás dos entusiasmos de alguns profissionais que nas redes são também mais “ruidosos” é arriscar perder algo muito raro e que, uma vez perdido, nunca mais se recupera. Porque tem a ver com atitudes e com comportamentos. Regulamentar o ruído é, em última análise, definir comportamentos aceitáveis e inaceitáveis, o que não se pode estranhar em bibliotecas que também são espaços de educação.