Uma Paisagem Sonora que se Propaga no Tempo

JG

José Cid Gomes

Jardim Botânico da Universidade de Coimbra

Da física do som. Sabemos que tem origem numa qualquer perturbação que provoca uma vibração no meio material no qual se irá propagar, normalmente o ar, embora o som, isto é, a onda mecânica que resulta da perturbação inicial, também possa viajar em meios líquidos e sólidos.

Um som pode ter origem, por exemplo, no bater de asas das abelhas que, no final de uma tarde de verão, dançam ao redor das tílias, atraídas pela fragância das suas flores, ou numa pinha gigante de araucária a cair com estrondo no solo.

Ouçamos o Jardim Botânico.

Uma brisa corre no Terraço Superior, as folhas dançam nas árvores, há rãs a coaxar no lago Luiz Carrisso, aves a chilrear, e na Fonte do Quadrado Central a água cai. Para nos relaxar. Estes são apenas alguns dos sons audíveis numa visita ao Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.

Esta paisagem sonora começou a ser desenhada há quase 250 anos quando, a uma parte da Cerca de São Bento, terrenos que pertenciam à Ordem dos Beneditinos, chegou o entulho, vindo das obras do castelo e Colégio de Jesus, e que serviu para terraplanar o local onde nasceu o Horto Botânico, hoje Quadrado Central.

Desde a sua criação, muito mudou. Novos terrenos foram adquiridos, novas espécies introduzidas, novas estruturas edificadas, sendo a configuração atual do Jardim o resultado destas intervenções que transformaram e aumentaram a área inicial para os cerca de 12 hectares atuais, incluindo o Jardim Clássico e a Mata.

A todas estas transformações assiste, ainda que silenciosa, a Erythrina crista-galli (corticeira), uma das árvores mais antigas do Jardim, que ali vive há cerca de 200 anos. Quando a Erythrina era ainda uma jovem árvore, o retrato sonoro registado à sua sombra revelaria certamente uma paisagem sonora bem diferente daquela que hoje escutamos, sem o ruído do ambiente urbano atual, fruto do desenvolvimento da cidade na qual o Jardim está inserido.

Ainda assim, é possível, nesta enorme mancha verde, uma das maiores de Coimbra, usufruir de um espaço aprazível que permite o contacto harmonioso com as coleções de plantas vivas, representativas de várias regiões do mundo. Este espaço privilegiado, rico em biodiversidade, cria um ambiente sonoro atraente e tranquilizador ao qual se sobrepõe ao final da tarde o toque da sineta. Identidade sonora do Jardim Botânico, anuncia diariamente o seu fecho, enquanto ao longe, ontem como hoje, a velha cabra marca a passagem do tempo!