Sons: das “Cabras” ao Nhacatangali

AT

Ana Cristina Tavares

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

De entre as múltiplas facetas da riqueza e importância dos Museus, destacamos objetos de diferentes coleções, relacionados pela palavra “sons”, e a oportunidade, muitas vezes exclusiva, de estudar espécies ameaçadas de extinção ou extintas, como a cabra-montês, Capra pyrenaica lusitanica (Schlegel, 1872) (Figura 1).

Esta é uma das quatro subespécies de Capra pyrenaica (Schinz, 1838) que anteriormente povoava as regiões montanhosas da Galiza, das Astúrias e da Cantábria e cujo borregar deixou de se ouvir no final do séc. XIX. Bastante semelhante em cor e tamanho às outras três subespécies (victoriae, hispanica e pyrenaica), o que a distinguia era a menor dimensão dos chifres e as zonas de pelo negro. Habitava a Serra da Peneda-Gerês, território que partilhava com outras espécies selvagens, como o corço, a águia-real e o garrano bravio, sendo conhecida como a cabra-montês da Cantábrica, da Galiza e de Portugal.

Em meados do século XIX, José Vicente Barbosa do Bocage publicou estudos baseados na análise de cinco exemplares do Museu de Lisboa e de outros dois do Museu de Coimbra, que até hoje aqui se preservam: “Memórias sobre a cabra-montês da serra do Gerês” e “Memórias sobre uma espécie nova do género Capra L., em Portugal, a cabra-montês da Serra do Gerês”.

No final desse século, em 1886, apenas um rebanho permaneceu na península, reduzido à Serra do Gerês. Em 20 de setembro de 1890, o único exemplar fotografado, uma fêmea, foi capturado no Vale da Albergaria, na Portela do Homem, sendo os últimos testemunhos provenientes do Gerês, em 1892, considerado o ano de extinção. Como fatores e causas do desaparecimento da cabra-montês adiantou-se que seriam os predadores (lobos e águias reais), o contágio de doenças de outros bovídeos ou alterações no habitat, mas é principalmente atribuído à caça indiscriminada. O animal foi perseguido e apreciado pela sua carne e pele, para antídotos, e os chifres como objetos decorativos e instrumentos de comunicação, cujo som, quando soprados, era audível a longa distância. Os chifres nas fêmeas, de menor tamanho, não seriam tão atrativos para os caçadores, o que poderá explicar serem fêmeas os últimos espécimes, C. p. lusitanica no final do século XIX e a C. p. pyrenaica em 2000, quando o último indivíduo foi encontrado morto.

Não relacionados com esta, mas com outra “cabra”, são dois badalos do sino original da torre da Universidade de Coimbra, construída entre 1728 e 1733, e pertencentes ao Museu Académico da Universidade de Coimbra. O sino, fundido em Braga por Joannes Lima em 1741 e refundido em 1900, foi assim designado pelos estudantes pelo facto de “lembrar o borregar de uma cabra”. A “cabra” anuncia o recolher, e ainda se mantêm às 18h00, e o “cabrão” toca para as aulas pela manhã (7h30) e entre as 18h00 e as 7h30 os alunos tinham de guardar recolher obrigatório.

Reza a história da Academia que noutros tempos, quando o sino não tocava não havia aulas, e por isso muitos estudantes subiam à torre para roubar o badalo. Estes dois exemplares (Figura 2) foram entregues ao Museu Académico, na "Tomada da Bastilha" de 1952, por aqueles que o tinham roubado no tempo de estudante, sendo o facto notícia na imprensa nacional da época!

De som bem diferente e característico, o Nhacatangali (Figura 3) é um de muitos artefactos musicais da coleção etnográfica de Moçambique, pertencente aos instrumentos cordófonos. Ornamentado com válvulas de moluscos é um arco sonoro em madeira, normalmente feito de caniço, e a corda feita de sisal, embora hoje se utilize mais o fio de pesca. A boca do tocador, colocada numa das pontas do arco, serve de caixa-de-ressonância, sendo o som produzido pela percussão do fio, através dos dedos ou de uma palheta. Muitas vezes coloca-se no pau do arco parte de uma cabaça ou uma chapinha de lata, com pequenos guizos ou tampas de garrafa, que vibram ao mesmo tempo que a palheta bate na corda. Instrumento bastante conhecido nas províncias de Manica, Sofala e Tete, principalmente entre as populações de origem Sena e Ndau, o Nhacatangali é também conhecido por chidangari, chimadangar e kamkubo (em Tete). Os sons produzidos são normalmente acompanhados por canções, entoadas pelo tocador e um coro.