‘Vamos Modificar o seu ADN?’ – O Consentimento nas Terapias Genéticas

10 fevereiro, 2023≈ 5 mins de leitura

As terapias genéticas representam um grande e promissor avanço biocientífico. Fruto de muitos anos de pesquisa, cujo impulso inicial foi dado por relevantes descobertas na área da genética no final dos anos 90 e início dos anos 2000, essa modalidade terapêutica corresponde a um meio preciso e simples de alcançar melhores níveis de saúde e tratar doenças até então incuráveis.

O principal aspeto da terapia genética é a sua aptidão para tratar doenças através da modificação do ADN do paciente – o que levanta, no mais das vezes, muitas impressões mistificadas a respeito do tratamento. Contudo, pelo menos ao nível das células humanas somáticas (células que revestem a maioria dos nossos tecidos e órgãos) e, portanto, não reprodutivas, os resultados das pesquisas científicas desde logo se mostraram suficientemente seguros e benéficos, ao ponto de algumas terapias genéticas já estarem autorizadas na prática clínica.

Dentre os critérios para uma doença ser objeto de terapia genética estão, por exemplo, o perigo de vida na ausência do tratamento, a inexistência de métodos terapêuticos alternativos e a identificação das células-alvo. Nesse sentido, a legislação portuguesa apenas permite intervenções médicas que tenham como objeto modificar intencionalmente o genoma humano quando existam razões preventivas ou terapêuticas.

No que respeita ao consentimento informado para a realização de terapias genéticas, devem ser levadas em consideração as regras relativas ao consentimento prestado para a obtenção de dados genéticos e para a realização de testes genéticos (Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, sobre Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde), além do consentimento para a intervenção propriamente dita, que, apesar de não resultar de previsão legal, entende-se que deve ser igualmente prestado em formato escrito.

A grande maioria das terapias genéticas ainda se encontra em fase de ensaios clínicos, o que torna a sujeição dos pacientes a este então tratamento experimental dependente das regras relativas à participação na investigação científica com seres humanos. Estas regras consistem numa exceção ao formato livre, uma vez que exigem a forma escrita ao consentimento informado das pessoas sobre quem incide o ensaio de terapia genética.

Atualmente, as regras aplicáveis sobre a participação e proteção nos ensaios clínicos são previstas no Regulamento (UE) n.º 536/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014, que prevê modalidades específicas de consentimento esclarecido. Com a aplicabilidade deste documento, a Lei n.º 21/2014, de 16 de abril, sobre Investigação Clínica, passa a ser aplicável apenas nas matérias às quais o Regulamento deixa margem.

Cumpre enfatizar a especial relevância do dever informacional no âmbito dos ensaios clínicos de terapias genéticas, uma vez que se está diante não só de um tratamento que oferece os riscos comuns à experimentação científica, mas também dos riscos oriundos de uma biotecnologia inovadora e com ainda poucos precedentes.

De qualquer das formas, diante dos potenciais e grandiosos benefícios que as terapias genéticas oferecem à saúde humana, é importante evitar que uma demasiada rigorosidade nas regras de participação e proteção nos ensaios clínicos torne o procedimento contraproducente. Portanto, estabelecer certa flexibilização naquilo que se considera uma informação suficiente para a validade do consentimento faz-se imprescindível, sobretudo diante de tratamentos experimentais e inovadoras biotecnlogias, cujos efeitos naturalmente não serão completamente conhecidos de modo prévio. Evidentemente, a informação sobre as limitações do conhecimento científico deverá ser completa, por forma que a permissibilidade ao avanço biocientífico vá ao encontro da proteção devida aos direitos individuais dos participantes.

Thaís N. Cesa e Silva - Técnica Superior do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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