Mesas do Quotidiano & Mesas de Festa

Tal como respirar e dormir, o ato de comer funde-se com a condição da existência individual dos seres humanos. No entanto, a premência do alimentar-se está rodeada por uma dimensão cultural de tal modo complexa que influenciou a constituição de comunidades, distintas na sua relação com o tempo, o território, os costumes e sociabilidades.

Se aos seres humanos se impõe a relação QUOTIDIANA com os objetos que são os bens alimentares, a refeição, ou as refeições de cada dia, são já factos culturais. Come-se só, ou em família? Que grupos se constituem para o repasto que permite a cada um dar curso à agitação dos seus dias? Quem serve, nas famílias, nas escolas, nos locais de trabalho, nas cantinas, nos restaurantes?

A própria definição do que é uma refeição quotidiana é complexa: envolve, em primeiro lugar, a disponibilidade e acesso aos alimentos, a sua qualidade, a sua confeção. Está também condicionada por níveis de aceitabilidade económica e cultural. A sanduiche num banco de jardim, a marmita, a encomenda de comida rápida para o local de trabalho, a comida de rua, o café, o shopping e o snack-bar. Será o jantar do QUOTIDIANO, já, uma refeição no limiar da FESTA? E o café depois do almoço, o chá da tarde, o almoço de domingo? Há fronteiras claras entre o quotidiano e a festa, ou são categorias intermutáveis?

A FESTA carateriza-se pela excecionalidade. Preenche, em primeiro lugar, a necessidade, também humana, da sociabilidade: um dia, um evento, uma memória, uma comunidade, um patrono, convocam afetividades, interesses e convergências, para uma mesa distinta: A COMIDA DE FESTA é abundante, variada ou seletiva, muitas vezes espetacular ou estranha nas suas simbologias. A FESTA convoca alimentos, mas estes não se apresentam enquanto provisões para uma necessidade, e sim como protagonistas de atos, gestos e representações múltiplas de poder, de ostentação, de riqueza, de prodigalidade, de convivialidade, de partilha.

Os trabalhos a apresentar devem organizar-se em torno desses dois eixos de reflexão ou colocá-los em diálogo.

Imagem de Destaque da Conferência

©Georges Dussaud

Alturas de Barroso, Serra do Barroso, la céne de Agosto de 1981

A fotografia que protagoniza esta 10ª edição do Colóquio DIAITA Luso-Brasileiro foi cedida pelo próprio fotógrafo George Dussaud no dia 4 de abril de 2024.

“É o almoço na debulhada. Estava a fotografar desde a manhã, há um momento em que vi pessoas a colocar uma toalha branca e… 12 pratos. Só descobri isso depois – e achei formidável –, que simbolizava a Última Ceia. Sobre a toalha havia pão e vinho. Tive a sorte de subir uma escada e tirar esta fotografia picada sobre a cena. É verdadeiramente uma ceia de Cristo.”

[Depoimento recolhido por Sérgio C. Andrade, Público, 23-07-2007]