/ O que vivi na UC

"O que vivi na UC" por A. E. Maia do Amaral

Neste episódio, partilhamos o testemunho de António Eugénio Maia do Amaral, Diretor Adjunto da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

«Na Universidade, tive a possibilidade de chefiar a secção de Manuscritos da Biblioteca Geral, uma experiência enriquecedora, do ponto de vista das exigências técnicas e das experiências pessoais que me proporcionou. Há um episódio do contacto com o público que gosto de recordar porque me ensinou que as Normas podem e, nalguns casos, devem ser transgredidas.

Deu-se o caso há muitos anos, num daqueles saudosos meses de agosto em que os utilizadores, sobretudo os estrangeiros, acorriam à BGUC para fazer as suas investigações. Agosto era sempre um mês excelente para trabalhar, havia estacionamento à porta, o telefone raramente tocava e chegavam utilizadores mais desafiantes. Estava na minha secretária nos Manuscritos, quando um casal de jovens meteu a cabeça pela porta e disseram que sabiam que a BGUC tinha uma primeira edição de Os Lusíadas. «— Podíamos ver?»

Porque está digitalizada, normalmente um bibliotecário deve remeter para o digital qualquer utilizador sem creditação científica ou sem razões excelentíssimas para consultar o original raro. Disse-lhes para entrarem e fui perguntando o porquê do interesse: explicaram que eram a “guarda avançada” de um grupo de uma dezena de jovens, segunda geração de emigrantes (EUA e Canadá), que viajavam por Portugal à procura das suas raízes. Pedi que entrassem todos, fui buscar a obrinha ao Cofre, mostrei-a demoradamente e expliquei o que sabia sobre aquela preciosidade. Entendi que ao mostrá-la assim àqueles miúdos apenas correspondia à dedicação e ao esforço que eles tinham despendido à procura de algo para eles culturalmente muito significativo.

Talvez ainda hoje, homens e mulheres, eles se lembrem daquela obra de 1572 que viram em Coimbra, fora de uma vitrine climatizada, e embora na minha mão, quase que ao alcance das mãos deles, talvez em mais sítio nenhum do mundo o conseguissem. Eu é que nunca me esquecerei da felicidade nas suas caras.»

Publicado a 07.06.2023