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Um kit, dois falsificadores

José Hipólito dos Santos, então refugiado político em Paris, recorreu a Adolfo Kaminsky entre 1969 e 1971 para obter documentos falsos que lhe permitissem viver exilado. Kaminsky acabou por ser o seu mestre/mentor no ofício da falsificação de documentos para desertores, pessoas que fugiam de Portugal por não quererem cumprir o serviço militar e, portanto, ir para a guerra, mas sobretudo para os que estavam na resistência, na criação de uma oposição que derrubou a ditadura. O Kit de falsificações foi oferta da Kaminsky a José Hipólito dos Santos, quando o primeiro decidiu ir viver para a Argélia.

(...)O conhecimento da fotogravura, o conhecimento das densidades do papel, das marcas de água… Vê-se nos [meus] arquivos, que [os documentos portugueses que ficaram] serviam para a formação. Também fizemos carimbos de relevo… Tudo foi passado em revista. Sei que, no final, quando tudo parou, ele tinha uma bagagem técnica excepcional. O objectivo não era apenas fazer documentos falsos, mas torná-los úteis. Não se tratava de uma trafulhice retorcida, mas de fazer a resistência a um sistema ditatorial. E ele tinha o sentido de organização. O principal não era uma ou outra técnica, era o espírito de resistência à ditadura, dar voz ao povo.(...)”

Excerto de entrevista de Irene Hipólito dos Santos a Adolfo Kaminsky em 2021

José Hipólito dos Santos, nasceu no Porto em 1932. Começa a trabalhar cedo, ainda estudante, ligando-se nessa época a grupos de jovens oposicionistas. Nos anos 50, enquanto cumpre o serviço militar em Lisboa, frequenta a casa de António Sérgio, envolvendo-se no MUDE participa na cooperativa Fraternidade Operária/Ateneu Cooperativo, da qual foi dirigente, onde conhece militantes anarquistas e sindicalistas, entre os quais Emídio Santana, Germinal de Sousa, Moisés da Silva Ramos e José de Sousa.

Redator da Seara Nova e cadernos de Circunstância, em 1957 colabora na campanha de Humberto Delgado. Após terminar o curso de Económicas, vai trabalhar para a CUF mantendo uma ativa militância antifascista que o leva a associar-se ao Movimento da Revolta da Sé e a participar no Golpe de Beja. Em consequência dessa atividade, Hipólito dos Santos é preso em 1962. Libertado sob caução, depois de 18 meses de prisão, exila-se em França e depois na Argélia onde se envolve na criação do MAR.

Em 1967, ruma a França onde se inscreve num doutoramento e se envolve nas contestações do Maio de 68. Ainda nesse ano, adere à LUAR, organização que vem a deixar em 1970. É professor universitário em Paris VIII e XIII.

Em 1974, após a queda da ditadura, é reintegrado na CUF e é professor universitário no ISEG e no ISPA, tornando-se também presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses e participando ativamente dos movimentos de moradores que vieram a marcar as lutas sociais desse período. Em finais do mesmo ano, adere ao PRP-BR, cuja direção passa a integrar no ano seguinte, mas da qual se demite no início de 1978 por desacordo com a orientação política da organização.

A partir de 1980, após fundar a cooperativa SEIES, trabalha em diversos projetos de cooperação em Moçambique, na Mauritânia, na Nicarágua, na Guiné Bissau e em São Tomé e Príncipe, no quadro das Nações Unidas e OIT.

Inventário da doação do Arquivo de José Hipólito dos Santos disponível aqui.

Vídeo de exposição organizada pelo CD25A-UC sobre o Kit disponível aqui.