/ Caminhos na UC

Episódio #6 com Catarina Freire

A narrativa entusiasmante de quem quer fazer permanecer a Universidade de Coimbra na memória de quem a visita

Há quase 18 anos a apresentar a Universidade de Coimbra (UC) ao público, Catarina Freire trouxe para esta conversa inúmeras histórias. Histórias felizes que preenchem o discurso apaixonado com que fala da profissão que escolheu e do espaço que é hoje o seu local de trabalho. Foi na Sala Amarela que conversámos sobre os desafios de partilhar com as/os visitantes os 731 anos de história da Universidade de Coimbra. Desafios que são, acima de tudo, uma oportunidade para aprender todos os dias mais um detalhe e mais um pedaço de história da UC. Para a guia-intérprete da Universidade de Coimbra, é mágico partilhar os sete séculos de história da nossa Universidade todos os dias, mostrando que, apesar de tantos anos já terem passado, continua a ser uma universidade viva.

Como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Comecei o meu percurso na Universidade de Coimbra há alguns anos, sendo já guia certificada e tendo já feito algum trabalho de visitas fora da Universidade. Vi o anúncio de uma vaga para guia do Paço Real e resolvi concorrer. Inicialmente, comecei a trabalhar na Reitoria, na área do Protocolo da UC, e fui depois integrada no Projeto Especial Turismo e, ao longo dos anos, tenho permanecido neste projeto, mais especificamente nas visitas guiadas e no trabalho com os profissionais de informação turística.

Que motivos a levaram a escolher trabalhar nesta área profissional na UC?

Sempre soube que queria ser guia, sempre foi esse o meu objetivo. Quando iniciei os estudos na área do Turismo, tinha já como ambição a possibilidade de trabalhar na área fazendo visitas guiadas. Quando terminei a licenciatura, percebi que era necessária uma certificação extra para ser guia em Portugal. Na altura, a profissão era regulamentada e, por isso, era necessária uma certificação para o acesso à profissão de guia. E eu segui esse caminho. Acabei, mais tarde, por vir para a Universidade, porque queria estar sediada na minha cidade, em Coimbra. Costumo dizer a quem nos visita que a Universidade captou o meu coração e eu nunca mais consegui sair daqui.

Qual é maior desafio de memorizar todas as informações sobre a UC que deve transmitir aos/às visitantes?

O desafio é pegar em 731 anos de história da Universidade e resumir esse percurso em visitas de uma hora. Esse é o verdadeiro desafio! O segundo desafio passa por fazer com que os nossos visitantes e os nossos turistas não façam uma visita, mas sim uma viagem no tempo connosco. E isso consegue-se com muita experiência, que vamos ganhando ao longo do tempo, e também com alguns truques da profissão. E nós aprendemos isso não só com a formação, mas também com as pessoas que nos recebem quando chegamos à Universidade e que nos passam o seu know-how. E eu tive excelentes mestres na Universidade, como o antigo Pró-Reitor António Filipe Pimentel e as e os colegas Ana Goulão, Carlos Serra e Sónia Filipe. E menciono apenas alguns, porque o meu percurso é feito de muita gente importante para a minha vida pessoal e profissional. O outro desafio é adaptar a história ao público e é o público que acaba por decidir o que vou dizer. Por estas razões, digo sempre que não consigo fazer duas visitas exatamente iguais, porque não é o público que tem de se adaptar ao guia, mas é o guia que tem de se adaptar ao perfil do cliente que está à nossa frente. E passa também por transformar uma visita guiada numa experiência única, numa viagem. Tudo isto para que este monumento não seja apenas mais um monumento visitado em Portugal, mas sim o monumento visitado em Portugal, para que levem daqui uma experiência que seja transmitida a mais pessoas, a amigos, a conhecidos para que venham também visitar a Universidade de Coimbra.

Sobre a questão dos truques da profissão que mencionou, há técnicas particulares que utiliza nas suas visitas para captar a atenção do público nos primeiros instantes?

Costumo fazer muito o quebra-gelo: perguntar de onde é que vêm, se já tinham visitado os espaços da UC, qual é a intenção da visita, perguntar também qual é o ano de escolaridade que frequentam, quando são crianças… Tudo isto para me adaptar ao público. E isso é muito importante, porque quando conseguimos quebrar o gelo e criar uma certa empatia com quem nos visita somos capazes de afinar o nosso discurso. E isso faz toda a diferença, faz a diferença entre ser apenas uma visita a um espaço ou ser uma visita viva! É fundamental saber como captar adultos, crianças, pessoas com interesses históricos, pessoas com interesses apenas numa narrativa, pessoas com interesses em curiosidades ou em tradições académicas. Por isso, um guia da Universidade é uma pessoa que tem que ter conhecimentos versáteis numa panóplia imensa de assuntos, desde a história da instituição até às tradições académicas, até à geografia e desenvolvimento da cidade de Coimbra, até à História da Arte e aos estilos arquitetónicos. E, ao mesmo tempo, durante toda a visita é necessário ter um cuidado com o público, percebendo se o público está a entender o que estamos a dizer e a seguir o nosso fio condutor. E se a pessoa que nos visita tiver alguma dificuldade de mobilidade é também importante assisti-la e ajudá-la durante a visita. A tudo a isto se acrescenta ainda a gestão do tempo nos espaços, porque as visitas têm tempo definido. Para dar resposta a todas estas dimensões, é necessária alguma “ginástica” a nível mental.

O que torna o seu trabalho gratificante?

As pessoas, quem nos visita. E a possibilidade de ficar na memória delas, porque nós podemos fazer a diferença tentando que não seja apenas uma visita regular, mas sim uma visita que fica na memória para sempre. Este impacto é particularmente importante para as crianças e para os jovens, mas também para as visitas de emigrantes portugueses de segunda e terceira geração, em que os pais fazem questão que visitem o Paço porque foi o primeiro Paço Real e porque a UC foi a primeira universidade de língua portuguesa. E para mim é muito gratificante que terminem a visita com a noção da importância da UC.

Quais são as principais tarefas da rotina de trabalho de um/a guia-intérprete?

A principal tarefa é pesquisar e estar em constante formação, quer seja na área da História, quer seja nas áreas de postura, de projeção de voz, de linguagens verbais e não verbais que é necessário afinar. É necessário estar também muito ciente do protocolo desta casa, porque nós fazemos visitas de várias índoles, desde o público geral até visitas no âmbito de um congresso ou uma visita institucional, em que vem, por exemplo, um embaixador ou um ministro. Todas estas visitas são absolutamente diferentes e é preciso estar muito consciente de que quando se está num espaço da Universidade não é a Catarina Freire que está a fazer a visita guiada: é a Universidade de Coimbra que está a fazer a visita guiada. A visita é a cara da instituição e, por isso, temos que estar sempre muito conscientes do que podemos dizer e do que não devemos dizer. Devemos saber também como nos comportar e o que não devemos fazer. E, principalmente, estar sempre consciente de que cada visitante é único e especial.

Quais são os maiores desafios de orientar os/as visitantes na atualidade?

Destaco que o nosso público é cada vez mais exigente. Mais exigente do ponto de vista do conhecimento, porque são pessoas cada vez mais informadas, que planeiam a sua visita e não vêm apenas à Universidade de Coimbra por mero acaso – apenas por estar entre o Porto e Lisboa – e sabem exatamente o que vão conhecer e visitar. Planeiam a visita e informam-se antes de chegar à Universidade de Coimbra e, portanto, são clientes extremamente exigentes. Noto também que a situação pandémica trouxe novos desafios para quem é profissional de informação turística. A necessidade de utilizar máscara durante a visita é um desafio muito grande à forma como comunicamos hoje. Fez com que tivéssemos que repensar as nossas estratégias de visita, porque o sorriso agora não se vê e, como costumo dizer, precisamos de sorrir um bocadinho mais com os olhos. Temos que ser muito mais expressivos porque a própria máscara abafa a projeção da voz e temos que ter especial atenção à maneira como fazemos a visita. A pandemia fez também com que nos virássemos mais para a área digital, porque os nossos visitantes chegam já com a informação na ponta do dedo. E, portanto, qualquer guia – que trabalhe aqui na Universidade de Coimbra ou noutro espaço – tem que ter muita atenção ao que diz, porque a informação está muito publicada, é muito partilhada e é muito fácil um guia ser “apanhado” quando não está a dizer o que deve dizer. Os nossos turistas são cada vez mais exigentes e isso é extremamente gratificante porque nos traz mais desafios, nomeadamente para continuarmos a melhorar a nossa formação, a nossa postura, e também para fazermos uma análise crítica, todos os dias, ao nosso trabalho. E é isso que faço no final do meu dia.

Há quase 18 anos a viver esta profissão, certamente que guarda muitas histórias. Gostaria de partilhar alguns momentos que a tenham marcado durante o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Tenho muitas histórias, acho que dava quase um livro! Por exemplo, gosto muito de fazer as visitas de boas-vindas aos novos funcionários da Universidade, porque estou a receber a minha comunidade, os meus colegas no lugar que é o espaço maior da UC e estou a transmitir-lhes a história e, principalmente, o amor que tenho por este espaço. Acho que transmitir este amor faz com que os colegas também tenham amor pela casa e isso é a cola que nos agrega, que faz com que sejamos uma comunidade. Outra história que tenho para partilhar é a de duas meninas gémeas de 7 anos, a Angélica e a Angelina, que vieram com os pais, que são brasileiros, fazer a visita no Paço. Quando chegaram ao Brasil, enviaram desenhos e textos feitos por elas sobre o que estivemos a falar durante a visita, com a interpretação que elas fizeram…E captaram exatamente o que lhes quis dizer! E isto demonstra que estiveram muito atentas ao que eu disse durante a visita. Fiquei muito sensibilizada que elas chegassem ao Brasil e que se lembrassem que houve uma guia em Portugal que lhes fez esta visita. Outro exemplo das histórias que guardo é um postal que tiveram a delicadeza de enviar do Japão, agradecendo também a visita que fiz. E para dar só mais um exemplo, tenho também um livro que foi enviado por uma jovem brasileira, a Giulia, que chegou ao Pátio das Escolas a dizer que não gostava do nosso país e que não tinha intenção de ficar por cá muito tempo. E acabou por sair do Paço das Escolas a dizer que queria vir estudar para a Universidade de Coimbra! Dá-me muita esperança e muita felicidade perceber que o meu trabalho, que o que eu estou a comunicar, está a ser bem comunicado e que as pessoas reagem positivamente ao que estou a partilhar e que ficam com uma recordação de uma experiência única de visita à Universidade de Coimbra.

Qual é o espaço da Universidade de Coimbra que gera mais curiosidade nas/os visitantes?

Existem alguns, não é só um, mas a Prisão Académica é um grande atrativo de curiosidade por ter existido uma prisão dentro de uma universidade. A Biblioteca Joanina também, por ser um dos espaços mais conhecidos a nível mundial e, portanto, é um espaço incontornável. E também a Torre da Universidade, que as pessoas têm sempre uma grande avidez para visitar e perceber qual é a vista do cimo dos 34 metros de altura da Torre.

Qual é o espaço sobre o qual mais gosta de falar durante as visitas?

Gosto de todos os espaços, mas aquele que me desperta mais emoções é, sem dúvida alguma, a Sala Grande dos Atos, pelo seu simbolismo, pelos episódios marcantes da Universidade, como também do próprio país, que se viveram dentro deste espaço. E, por isso, não posso deixar de me emocionar ao pensar que esta Sala do Trono foi a sala dos primeiros reis de Portugal, a sala que D. Afonso Henriques escolheu para ser a sua sede de reino e onde foram debatidos todos os assuntos importantes do reino. E apesar de as cortes serem itinerantes, esta sala é, obviamente, uma sala absolutamente única no país.

Quanto ao impacto da visita, o que gostaria que as/os visitantes retirassem da sua passagem pela UC?

Gosto que a visita lhes fique na memória e que perdure. E também que transmitam aos outros que a visita dentro do espaço da Universidade não foi uma visita comum, mas uma visita única. Gosto que eles levem como mensagem que esta foi a primeira universidade de língua portuguesa, e que é uma universidade viva, uma universidade que tem um espaço monumental que é usado e que continua a ser usado no quotidiano da atividade letiva, e isso também é uma coisa única e mágica. E gosto também que fiquem com um pequeno conhecimento do que foi a nossa história ao longo dos séculos, que influenciou a própria história do país.

Quanto ao acolhimento de diferentes pessoas e grupos na nossa Universidade, que tipos de visitas existem para os acolher?

Nós temos um leque muito grande de visitantes. Temos os visitantes que adquirem os bilhetes diretamente na plataforma eletrónica ou na bilheteira e que têm uma visita agendada e orientada. Apesar de serem o público geral, também têm especificidades próprias, porque nunca sabemos quem está à nossa frente. Depois temos as visitas técnicas, que são feitas com os profissionais de informação turística – como os guias ou os operadores turísticos – e que são visitas que têm algum componente histórico, mas que têm uma grande componente de logística e de técnica. Nestas visitas, nós ajudamos os guias que estão a iniciar o seu percurso ou aqueles que já não praticam há muito tempo o circuito da Universidade a fazer “reciclagem” de informação através de workshops e de visitas técnicas dentro dos espaços. Temos também as visitas com convidados de congressos da Universidade, que são visitas pedidas pela comunidade UC. Temos também as visitas para os novos funcionários, que é uma coisa que me dá muito orgulho fazer, porque estamos a receber as nossas pessoas, a nossa comunidade, a nossa massa crítica. Temos também as visitas de índole institucional, que são particularmente protocolares e isso traz algum grau de complexidade. Temos também as visitas educativas que são visitas não com escolas, mas com jornalistas da especialidade que vêm visitar a UC para depois divulgar o que viram em revistas de turismo ou através do Turismo de Portugal. Temos ainda as visitas temáticas, que são visitas desenhadas pelo Turismo UC de acordo com um tema próprio. O exemplo é o produto PREMIUM, que são visitas desenhadas de acordo com o perfil do visitante e que são direcionadas ao mercado de luxo. Nessas visitas, as pessoas vêm com um intuito próprio à Universidade e compete ao Turismo UC desenhar um produto próprio que agrade e que vá ao encontro, ou até que ultrapasse, as expectativas dos clientes.

Para finalizarmos esta conversa, gostaria de desvendar algum segredo do circuito turístico da UC em jeito de convite para virem conhecer a nossa Universidade com outro olhar?

Existem muitos segredos dentro da Universidade, seria impossível escolher um. Estes espaços têm segredos únicos e este património da Universidade é muito generoso, porque ao fim de todos estes anos de trabalho ainda consigo descobrir coisas únicas, detalhes únicos que não tinha visto e que acabo por descobrir através da pesquisa ou das formações. Acho que, no fundo, melhor do que estar a desvendar os segredos, é criar uma expectativa para que a nossa comunidade nos venha visitar! Venham visitar-nos, venham fazer a visita guiada, é sempre uma viagem no tempo, é sempre muito agradável, porque nós passamos todos os dias por estes espaços e, por vezes, não olhamos com olhos atentos, apenas passamos e não usufruímos do espaço. Usufruir do espaço, olhar, ver os detalhes é extremamente entusiasmante não só para os visitantes, mas também para mim! Entusiasmo-me muito com os detalhes nos quais nunca tinha reparado, vou atrás da informação, vou pesquisar e vou querer saber mais. E, depois de saber mais, são também esses pequenos detalhes entusiasmantes que passo também a quem nos visita.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado em 01.07.2021