/ Caminhos na UC

Episódio #5 com Ana Marta Gonçalves

A versatilidade da investigação e a busca pela melhoria da qualidade de vida do ser humano

Da licenciatura ao pós-doutoramento, o percurso de Ana Marta Gonçalves tem sido construído na Universidade de Coimbra desde 1999. Atualmente, é investigadora do Departamento de Ciências da Vida (DCV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e integra a equipa do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE). Foi na Biblioteca do DCV que conversámos sobre a versatilidade do trabalho de investigação, sobre a missão das ações de sensibilização e também sobre a importância de criar incentivos para que a sociedade possa ser mais ativa no combate às diversas ameaças aos ecossistemas, nomeadamente as que afetam os oceanos.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Ingressei na licenciatura em Biologia na Universidade de Coimbra, em 1999, depois segui para mestrado, também aqui na Universidade de Coimbra, em colaboração com a Universidade de Aveiro. Quando terminei o meu Mestrado, estava já envolvida em vários projetos e colaborações, tendo sido convidada a realizar o meu Doutoramento na UC. Fiz o doutoramento na UC, em colaboração com a Universidade de Ghent, na Bélgica. No final de 2011, quando terminei o meu doutoramento, candidatei-me a um pós-doutoramento e iniciei também aqui, na UC, essa etapa. Depois de todas estas etapas, tenho hoje um contrato de trabalho com esta Universidade.

Que motivos a levaram a escolher a investigação como área profissional?

Sempre quis seguir investigação. Ainda antes de ingressar no ensino superior, sempre quis fazer investigação na área da Biologia. É uma área que me fascina bastante e a constante procura e aquisição de conhecimento e também o desenvolvimento a nível científico são áreas que me aliciam muito. Procurar sempre pelo conhecimento, contribuir para o desenvolvimento científico e para o bem-estar e a saúde dos ecossistemas e, consequentemente, para melhorar a condição de vida do ser humano, foi na possibilidade de aliar todas estas dimensões que se basearam as minhas escolhas profissionais.

Na rotina de trabalho, que tipo de atividades desenvolve um/a investigador/a?

O trabalho de um investigador é muito diversificado e exige uma dedicação permanente, mas é bastante aliciante. Para além do trabalho que o investigador desenvolve na sua área de atuação, também é necessário procurar financiamento para esse trabalho e também para a equipa que coordena. Também é importante um investigador mostrar e divulgar o trabalho que está a desenvolver, nomeadamente através da publicação em revistas internacionais. E neste campo temos que ter um cuidado particular na escolha das revistas, identificando, por exemplo, alguns parâmetros que são essenciais, como é o caso do público-alvo, o quartil e o fator de impacto da revista. Temos também a questão de dar a conhecer o trabalho em congressos nacionais e internacionais. E é necessário manter bastante ativa esta divulgação, como a apresentação dos resultados que têm sido obtidos e a divulgação do trabalho que está a ser desenvolvido. Por outro lado, o investigador também orienta alunos de licenciatura, de mestrado, de doutoramento e de pós-doutoramento e essa orientação exige que, diariamente, haja um trabalho que é feito com os estudantes de modo a que eles adquiram conhecimento e cumpram também os objetivos da etapa que estão a realizar. E para além da orientação científica também é importante a orientação curricular, para que quando o estudante terminar esta etapa da vida possa estar apto a prosseguir, também a nível académico, os seus trabalhos. O investigador pode também fazer parte da equipa Editorial de revistas nacionais e/ ou internacionais, coordenar e/ou ser membro de projetos de investigação nacionais e/ou internacionais. Além de tudo isto, o investigador pode também ocupar diferentes cargos, quer a nível institucional, quer a nível departamental, na própria unidade de investigação ou até mesmo em grupos e redes de trabalho internacionais que integre ou ainda sociedades em que seja membro. E quanto mais motivado estiver o investigador, mais são as áreas e as redes de trabalho em que estará envolvido e, assim, novas oportunidades vão surgindo.

Quais são as maiores recompensas do trabalho que desenvolve?

Todos nós estamos conscientes de que a ciência é uma área que permite a obtenção de conhecimento, mas também sabemos as dificuldades que existem na ciência. No entanto, o facto de o meu trabalho dar resposta aos desafios e objetivos da ciência, poder contribuir para o avanço do conhecimento científico para proporcionar uma melhor qualidade de vida e saúde e bem-estar dos ecossistemas e ainda contribuir para uma economia e uma sociedade mais azul e sustentável, será esse o meu contributo, e também a minha recompensa, no trabalho que desenvolvo.

Gostaria de partilhar connosco algumas experiências que a tenham marcado durante o seu percurso de investigação na UC?

Quando o nosso trabalho é reconhecido obviamente que esses momentos são sempre marcantes. Um desses momentos foi o prémio internacional que recebi do Instituto Real Holandês de Investigação Marinha, o NIOZ. A nível da investigação, são os trabalhos que temos vindo a desenvolver e que nos têm permitido identificar a existência de microplásticos em espécies comestíveis. São espécies que estão a ser usadas e a ser produzidas para consumo e temos estado a aperceber-nos de que, devido ao processo de cultivo, essas espécies estão contaminadas com microplásticos. E isto é extremamente preocupante para a saúde humana. Temos também estado a desenvolver um estudo com recurso a cinzas dos incêndios florestais. Infelizmente, o nosso país é bastante afetado todos os anos por estes eventos e isso tem tido também repercussões a nível das espécies aquáticas e do valor nutricional dessas espécies e também com consequências para o ser humano. Estamos a falar de eventos que são cada vez mais frequentes – a poluição por plástico e os incêndios florestais – e os estudos que nós temos vindo a realizar têm mostrado impactos que ao nível das comunidades aquáticas, das cadeias tróficas e das espécies comestíveis irão afetar também a saúde humana. Ao identificar estes efeitos, temos de agir no sentido de implementar planos de mitigação e de monitorização de modo a reduzir estes impactos, contribuindo assim para a saúde e bem-estar dos ecossistemas e para uma melhor qualidade de vida para o ser humano.

Tem vindo a participar em projetos com especial incidência em temáticas relacionadas com os oceanos. Quando e como surge o fascínio por esta área?

Surgiu durante o meu doutoramento, mas consolida-se durante o meu pós-doutoramento. Durante o doutoramento recebi um prémio internacional do Instituto Real Holandês de Investigação Marinha, o NIOZ, no valor de mil euros, que me permitiu desenvolver, durante o meu doutoramento, trabalhos na Universidade de Ghent que inicialmente não estavam previstos no meu programa de trabalhos, mas que desenvolvi e que me permitiram adquirir novos conhecimentos e novas técnicas que vieram a revelar que foi extremamente importante este trabalho para as minhas escolhas mais à frente.

Tem desenvolvido ações de sensibilização junto de crianças e jovens, nomeadamente sobre a água, a pesca e os oceanos. Como nasceram estas iniciativas e quais os grandes objetivos da implementação destes projetos?

Desde o mestrado que tenho desenvolvido trabalhos de educação ambiental, alguns deles no âmbito de alguns projetos que integrei. Para além das atividades de educação ambiental, também tenho dinamizado ações de formação/workshops e trabalhado no desenvolvimento de materiais e ferramentas para os professores, para que eles depois desenvolvam atividades práticas para os diferentes níveis escolares. Um desses trabalhos, que está publicado na forma de livro, foi selecionado, em 2018, para o Exame Nacional de Biologia e Geologia, do 11.º ano. Tenho estado envolvida também na publicação de trabalhos, tendo recentemente participado como Editor Associado, mas também como autora de trabalhos, no projeto da Enciclopédia das Nações Unidas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Editora Springer Nature, tendo uma das contribuições sido no âmbito da Literacia dos Oceanos para um uso global sustentável dos sistemas marinhos. Para além destas atividades, tenho coordenado e colaborado em vários projetos de literacia dos oceanos e também tenho realizado alguns trabalhos e participado em iniciativas internacionais como, por exemplo, da Comissão Europeia no âmbito da iniciativa Dia Marítimo Europeu no Meu País, tendo desenvolvido e dinamizado várias atividades para o público mais jovem. Atualmente um dos projetos que estou a coordenar na UC, BlueWave - Ocean: Earth’s lung - education towards a BLUE society and promotion of WelfAre attentiVEness and consciousness of the Sea, financiado pelas EEA Grants, é dirigido para professores e estudantes do ensino secundário. Acho que é fundamental a sensibilização do público jovem para que eles tomem consciência da importância das questões ambientais e da preservação e da conservação dos oceanos. É um público que é muito recetivo a estes temas e apercebo-me que, principalmente com as turmas com as quais trabalho ao longo de vários anos, a aquisição desse conhecimento é feita de forma bastante estruturada pelos alunos. Ao tomarem consciência e ao estruturarem essa informação de forma adequada, permitirá que tenham um papel mais ativo na sociedade e também nas opções que irão tomar. E, assim, também estão mais conscientes para os riscos e para os impactos que determinadas atividades e determinadas opções poderão ter nos oceanos.

E qual é o maior risco que afeta, neste momento, os oceanos?

A grande ameaça a nível dos oceanos é a redução da biodiversidade. Com o aumento da temperatura, com a acidificação e também com os eventos climáticos extremos, que cada vez são mais frequentes, e também outros fatores ambientais, denota-se a redução da biodiversidade, que pode levar mesmo à extinção de algumas espécies.

Nas ações de sensibilização que tem promovido, o que considera ser a confirmação do sucesso destas iniciativas?

Numas atividades que fiz recentemente, quando comecei a abordar a temática, reparei que uma das turmas tinha estado a fazer pesquisa sobre o tema. E o facto de estarem a pesquisar é sinal que estão interessados, que estão motivados, e que realmente querem ter um papel importante ou que, pelo menos, aspiram a vir a ter esse papel e isso é bom para que, no futuro, possam ser mais ativos. Trabalho há alguns anos consecutivos com as mesmas turmas e durante a exposição do tema coloco questões e promovo a participação e são realmente temáticas que lhes interessam e os alunos querem participar, dar opinião e mostrar o que já sabem sobre o tema. O facto de os alunos, muitas vezes, já referirem algum conhecimento que adquiriram de temas anteriores, que estão articulados com aquilo que estamos a abordar, também mostra que realmente estão a assimilar bem e que estão a estruturar esse conhecimento. Também já tive pais que me abordaram a pedir um bocadinho do meu tempo para falar com os filhos porque estão de tal forma motivados que querem saber mais: por exemplo, uma das meninas destas turmas está extremamente motivada e quer muito ser bióloga marinha. E isso é bom, porque é sinal que estou a chegar ao conhecimento que eles pretendem receber. Tudo isto mostra que estamos a conseguir criar empatia e a motivar os alunos para estas temáticas.

Considera que a sociedade, como também as empresas e as instituições, têm mudado a sua atuação face aos problemas que afetam o planeta, nomeadamente a poluição, os microplásticos ou as alterações climáticas?

Tem vindo a notar-se uma crescente preocupação. Por exemplo, a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável mostram que há uma preocupação em crescimento e que estão a ser definidos objetivos e metas em várias áreas e setores. E isso demonstra que realmente estamos a dar passos importantes. Mas, para além de todo esse trabalho, e também de eventos de divulgação e de sensibilização, acho que é necessário que haja incentivos à mudança de atitude. Sabemos bem que se as empresas tiverem determinados incentivos ou se os cidadãos também os tiverem, esses incentivos podem fazê-los reciclar mais ou produzir menos resíduos, por exemplo. E isso irá contribuir mais facilmente para a mudança de atitudes do que outras atividades de sensibilização que possamos implementar.

E individualmente, que novos comportamentos podem os/as cidadãos/ãs adotar?

Todas as mudanças que estão a ocorrer são muito o resultado da atividade antrópica. Sempre houve mudanças a nível do clima, mas são cada vez mais frequentes, por causas naturais e por causa, principalmente, da ação do ser humano. E as ações antrópicas estão a fazer com que as alterações climáticas ocorram com maior frequência e a uma velocidade muito maior. Neste campo, existe um conjunto de atividades que o cidadão poderá desenvolver, mas existem também atividades políticas que se devem implementar. Por um lado, no nosso dia a dia, podemos fazer escolhas no sentido de, por exemplo, reduzir o consumo de plástico, de reutilizar, de reciclar, de produzir cada vez menos resíduos, de reduzir atividades relacionadas com a queima de combustíveis fósseis e optar por outro tipo de veículos para nos movimentarmos, como os transportes públicos e transportes que não poluam. Por outro lado, a ação passa também por políticas que têm de se implementar e também os incentivos que anteriormente mencionei e que poderão também ajudar.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de partilhar com a comunidade UC que possa sensibilizar-nos para a importância da preservação dos oceanos e de assumirmos uma postura cuidadora dos ecossistemas?

Desde o início da vida que nós sabemos que os oceanos têm um papel fundamental e que são imprescindíveis não só para o ser humano, mas também para todo o planeta. Têm um papel importantíssimo a nível ecológico: na regulação da temperatura; na produção de oxigénio, sendo que 70% do oxigénio é produzido a nível dos oceanos; é o abrigo de cerca de 80% das espécies existentes; também influenciam e estão relacionados com a existência de diferentes tipos de clima. E para além desta importância ecológica, têm também uma importância económica e política. Dada a importância e a dependência que nós temos dos oceanos, é importante agir no sentido da sua preservação. E para nós continuarmos também a usufruir destes sistemas aquáticos, é fundamental agirmos no sentido da sua preservação e da sua conservação. Os oceanos têm um papel importante, mas obviamente que os outros sistemas também são importantes, porque muito do que é produzido a nível dos outros sistemas, como os sistemas terrestres, também acaba por ir parar aos oceanos. Há uma interação dos sistemas e, por isso, temos que ver os sistemas em conjunto e agir nesse sentido. As políticas também já começam a ser sensibilizadas nesse sentido, de modo a que haja também mudanças de atitudes. Sabemos que são mudanças que não são rápidas, ou não tão rápidas como gostaríamos que fossem, mas já começa a notar-se essa mudança. A nível das atividades que têm sido desenvolvidas, é importante quantificar os resultados das atividades de sensibilização, para podermos implementar ações que sejam mais efetivas. Porque o facto de implementarmos medidas e não conseguirmos ter a quantificação dos resultados não nos vai permitir melhorar, ou pelo menos, implementar planos que sejam mais efetivos e que vão ao encontro dos nossos objetivos da preservação e da conservação dos ecossistemas.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado em 17.06.2021