/ Caminhos na UC

Episódio #45 com Antero Abrunhosa

Um caminho a demonstrar que o investimento na investigação pode ter um retorno positivo na saúde das pessoas

Foi em 1987 que Antero Abrunhosa começou o seu percurso na Universidade de Coimbra (UC), na licenciatura em Bioquímica. Movido pelo interesse na investigação, sobretudo pelo seu papel na melhoria da saúde humana, seguiu depois caminho no mestrado em Engenharia Biomédica e, desde então, nunca deixou de explorar o potencial da investigação. É, desde 2017, o diretor do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS), um projeto que viu nascer, desde a colocação da primeira pedra. Num caminho de descoberta que antevê como sendo longo, pelo potencial que reconhece na investigação, celebra o sentido de missão da comunidade de investigadoras/es e o seu talento permanente para investigar e inovar, em prol do avanço da ciência e, consequentemente, da qualidade de vida das pessoas.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Entrei no curso de Bioquímica em 1987, já lá vão uns anos. Na altura, o curso era relativamente novo, os primeiros licenciados estavam a começar a sair da UC. Tive uma experiência fantástica nos quatro anos do curso, fiz muitos amigos e conheci excelentes professores. A Universidade de Coimbra tem professores fantásticos, que nos fazem gostar das áreas e que também nos ajudam a perceber para que servem os cursos que vimos tirar. Muitas vezes, quando se entra na Universidade, não se sabe muito bem o que é que são os cursos, o que é que vai fazer, por exemplo, um bioquímico ou o que pode vir a ser o futuro da profissão. Em resumo, a minha passagem pela UC enquanto estudante foi um desafio, uma aprendizagem e foi, obviamente, uma parte muito importante da minha vida.

O que o levou a escolher a licenciatura em Bioquímica?

Em Bioquímica, estudamos a química da vida, os processos que estão na base da fisiologia humana e dos processos patológicos que levam às doenças. E essa compreensão que nós, os bioquímicos, temos desses mecanismos fazem com que estejamos muito bem equipados para estudar as bases das doenças humanas, tentando encontrar uma melhor compreensão desses processos e procurando descobrir maneiras de contribuir para a melhoria da saúde humana. Como tinha um interesse grande pela área da investigação, acabou por ser isso que me trouxe a esta área.

Depois da licenciatura em Bioquímica, que caminho seguiu?

Depois da licenciatura em Bioquímica, o meu percurso passou por um mestrado em Engenharia Biomédica, que me abriu bastante os horizontes porque permitiu adquirir conhecimentos sobre a aplicação da Engenharia às Ciências da Saúde. Este mestrado permitiu-me ter experiências muitíssimo interessantes e começou a abrir a minha ligação à área da Imagem Molecular que nos permite ver, ao vivo, os processos que nós estudamos nos livros de Bioquímica. A transição para a Engenharia foi um despertar de um interesse muito grande também por essa área.

No final do mestrado, surgiu um convite para ir fazer doutoramento num centro de imagem médica em Londres. Essa possibilidade surge por convite do professor João José Pedroso de Lima, da Faculdade de Medicina da UC, que estava a reunir um grupo de pessoas que viria a fazer aquilo que é hoje o Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde. Esse grupo de pessoas foi para fora do país adquirir conhecimentos, regressou no início da década de 2000, começou o projeto, a construção e a instalação dos equipamentos, até que, em 2009, surgiu o Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde.

É diretor do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde desde 2017. Em linhas gerais, como funciona o ICNAS?

O ICNAS começou por ser um instituto dedicado à Imagem Molecular. Trabalhamos com uma técnica de imagem médica que se chama PET – Tomografia por Emissão de Positrões –, que é uma técnica com enormes aplicações, sobretudo nas áreas da Oncologia, Cardiologia e Neurociências, três áreas que, em termos de investigação na Universidade de Coimbra, tiveram sempre grande relevância.

Somos uma espécie de uma peça de um puzzle em que aproveitamos a tecnologia que aqui temos para responder às perguntas que surgem durante o trabalho de investigação “de bancada”. Ou seja, os colegas de Bioquímica que decidiram enveredar por um caminho mais laboratorial estão a fazer descobertas fantásticas, todos os dias, e trazem perguntas que traduzimos, aqui no ICNAS, nas técnicas de imagem médica, para que possam ver ao vivo aqueles processos e perceber como é que aquilo tem ou não relevância, nomeadamente ao nível das patologias que estão a ser estudadas. Procuramos traduzir a ciência “fundamental” para a aplicação humana, sempre em colaboração com hospitais e com a Faculdade de Medicina da UC.

Recentemente, fundámos a nossa Unidade de Investigação, o CIBIT – Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional. O ICNAS e o CIBIT são hoje quase um cluster de investigação e inovação, tendo dois eixos fundamentais: a imagem médica e a investigação translacional. Temos também o nosso braço comercial, a ICNAS Pharma, uma empresa também detida pela UC que tem autorização para produção e distribuição de medicamentos. Produzimos e distribuímos uns medicamentos especiais, que têm um isótopo radioativo que permite fazermos as tais imagens de PET. Somos, neste momento, o principal produtor desses radiofármacos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Em resumo, no ICNAS temos três pilares fundamentais: a investigação, o ensino (temos muitos alunos, sobretudo alunos de doutoramento, mas também muitos alunos de mestrado) e a ligação ao Serviço Nacional de Saúde. E nesta ligação ao SNS temos um papel muito relevante, quer seja na realização de exames, porque somos o único sítio do país onde se fazem alguns exames, quer na distribuição dos radiofármacos, que são distribuídos pelos principais hospitais do país e que se nós não estivéssemos a produzi-los teriam de ser importados com custos muito elevados para o Serviço Nacional de Saúde.

Para terem uma ideia, até o ICNAS entrar no mercado de distribuição em Portugal, o nosso país importava cinco milhões de euros, por ano, de Espanha do principal radiofármaco utilizado na PET, a fluorodesoxiglicose. Muitas vezes, as pessoas têm a ideia que o dinheiro que se gasta em investigação é dinheiro que se perde, mas não é. O dinheiro que se gasta em investigação retorna para a sociedade várias vezes! Há estudos que dizem que pode retornar até dez vezes, de muitas formas. E uma dessas formas é através da ligação aos hospitais, porque conseguimos produzir coisas que mais ninguém tem capacidade para produzir, conseguimos pô-las à disposição dos nossos hospitais e podemos fazer exames que mais ninguém tem capacidade de fazer. Ao mesmo tempo que tudo isto acontece, não nos esquecemos da nossa missão fundamental: investigar, inovar, desenvolver e contribuir para o avanço da ciência.

Quais as vantagens de podermos contar com estas novas técnicas na área da Oncologia?

A Oncologia é uma área em que estas técnicas com que nós trabalhamos têm uma relevância muitíssimo importante. Pode ter um grande impacto no diagnóstico. Estamos a trabalhar muito nessa área e temos alguns exames pioneiros que lançámos e estamos a pôr à disposição do SNS e, futuramente, a outros sistemas de saúde através de licenciamento das nossas patentes. Mas nós queremos dar o salto. E esse salto que queremos dar nos próximos anos é para a parte da terapêutica. Só que para nós darmos o salto do diagnóstico para a terapêutica precisamos de fazer uma expansão do nosso edifício para um novo projeto que temos em conjunto com a Faculdade de Medicina, a que eu chamo de “ICNAS 2”, que está dentro de uma grande unidade de ensino e investigação a ser criada ao lado do ICNAS que faz parte do projeto do Polo III, mas que nunca foi construída. Nós teremos uma parte pequena desse edifício para a expansão da nossa investigação, particularmente numa área fortíssima e que está em expansão, chamada teranóstica, que passa por usarmos o diagnóstico para dirigir a terapêutica, com a aplicação na área da oncologia.

É uma área em expansão a nível mundial, mas Portugal está um bocadinho fora da rede que se está a estabelecer e nós queremos colocar o país nessa rede. No fundo, estamos a fazer o mesmo que estávamos a fazer há 20 anos quando começámos com o projeto do ICNAS: havia uma área que não existia em Portugal, que começámos a desenvolver e que, neste momento, está bastante desenvolvida e tem grande atividade e impacto no SNS.

O que mais o marcou no seu percurso na UC?

Aquilo que mais me marcou foi o entusiasmo das pessoas. Passei aqui muitos anos com o edifício do ICNAS em construção, talvez desde 2002/2003 até 2009. Passei vários anos com capacete branco, com a malta da construção e, às vezes, sentia-me um bocado sozinho. Sozinho no sentido de pensar “será que vai haver alguém que se vai juntar a nós?”. Havia muito essa dúvida, porque, naquela altura, só víamos paredes e, mais tarde, equipamentos a chegar. E, de repente, começa a sentir-se entusiasmo, sobretudo dos investigadores mais novos. O entusiasmo com que as pessoas abraçam a investigação é aquilo que mais me impressiona: a força que têm, a vontade de fazer, de investigar e de melhorar as condições das pessoas.

E impressiona-me também esta missão de descobrir alguma coisa que seja relevante para melhorar a saúde humana. É realmente um recurso brutal que, sendo sincero, acho que não está a ser suficientemente acarinhado. Acho que os nossos políticos deviam olhar mais para a área da investigação e perceber que tem o potencial de melhorar as condições das pessoas, tem um impacto fortíssimo na sociedade, pode tornar-nos num país mais avançado, mais inovador. Acho que toda a gente percebe isso, mas quando chega a altura de mudar… O financiamento na investigação tem sido muito irregular. E isso torna a investigação um grande desafio. Acho que devemos refletir sobre o investimento, porque força de vontade e profissionais com capacidades fantásticas nós já temos. Era preciso que o país se pusesse atrás da investigação como se põe atrás da equipa de futebol.

Que mensagem gostaria de deixar a estudantes da UC em jeito de incentivo para virem conhecer a investigação que se faz no ICNAS?

Quando começámos este projeto, tivemos gente que nos entusiasmou a seguir caminho nesta área. E consideramos que devemos fazer esse trabalho com as gerações mais novas. Temos um programa muito interessante, às sextas-feiras à tarde, em que paramos a maior parte da nossa atividade para permitir a visita de alunos do ensino secundário. Há escolas secundárias que vêm cá desde há dez anos, todos os anos. Achamos que é importante criar entusiasmo nos jovens e mostrar-lhes o que fazemos e o que faz um físico, um químico, um matemático, um farmacêutico, um médico, um enfermeiro ou um técnico.

Recebemos também alunos da Universidade de Coimbra (de Biologia, de Bioquímica, de Química, de Farmácia, de Medicina ou de Engenharia) que vêm aqui, nos primeiros anos de formação, perceber um bocadinho para que é que serve tudo o que estão a ouvir nas aulas e ver tudo isso em ação. Tentamos mostrar que quando pegamos num problema, por exemplo, uma doença, vamos sentar à mesma mesa o físico, o químico, o matemático, o médico e o enfermeiro, para tentar resolver o problema. E todos têm uma contribuição a dar. A investigação hoje em dia é assim: não é só feita por uma só pessoa, como era dantes, é feita por uma equipa multidisciplinar. E nós trabalhamos muito assim no ICNAS.

Para estudantes que tenham interesse em visitar-nos, podem enviar um e-mail para icnas@uc.pt. Se não conhecem, podem juntar-se a um dos grupos que à sexta-feira fazem a visita. E se já conhecem podem vir fazer um estágio de verão, um projeto de investigação, estamos sempre abertos a novas ideias.

Produção e Edição de Conteúdos: Ana Bartolomeu, DCOM, Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 28.12.2022