/ Caminhos na UC

Episódio #44 com Tiago Cruz

A paixão pelo ensino baseada na missão de potenciar o lado mais incrível de cada estudante

Chegou à Universidade de Coimbra em 1994, vindo de Castelo Branco, para estudar Engenharia Informática. E é nesse mesmo curso que se mantém Tiago Cruz, hoje enquanto docente do Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. É sempre com base no diálogo que orienta sua missão de ensinar, não apenas a técnica e a teoria, mas também a empatia. E foi com base nesta vontade de não centrar a relação com estudantes apenas na sala de aula que nasceu o Amazing Lab, um espaço para ver o incrível em cada aluna/o, abrindo espaço à colaboração, à criatividade e à multidisciplinaridade.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Entrei para a Universidade de Coimbra em 1994, para o curso de Engenharia Informática que, na altura, ainda pertencia ao Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores. Foi o último ano em que isso sucedeu. Apanhei a transição aquando da criação do Departamento de Engenharia Informática (DEI) e também a vinda para o Polo II. Acompanhei toda a criação deste mundo novo! E, desde então, o meu percurso tem sido todo ligado ao DEI, um lugar que vejo como a minha segunda casa.

Como é que surge o interesse pela Engenharia Informática?

Se eu mandasse nas coisas, tinha sido engenheiro eletrotécnico. Mas, por uma razão qualquer que não sei explicar, talvez o destino (há quem acredite nisso), sempre que chegava a altura de escolher uma opção, havia uma força qualquer que me mandava para Informática. E isto aconteceu várias vezes! Aconteceu na transição para o 3.º ciclo do ensino básico, em que queria ter seguido Eletrotécnica e fui parar a Informática. E volta a acontecer o mesmo no ensino secundário. Quando chegou a altura de ir para a universidade, decidi que não ia continuar a forçar a barra, pelo que decidi ir diretamente para Engenharia Informática.

O interesse pela Engenharia Informática nasce também de forma acidental. Tinha à volta de 9/10 anos e, naquela altura, estavam a nascer os institutos da juventude um pouco por todo o país. Os meus pais acharam que eu não deveria passar o verão sem fazer nada e acabei por me inscrever num curso de fotografia. Mas quando chegou a altura de o curso arrancar, não havia inscritos suficientes. E acabei por ser mudado para um curso de programação, o qual frequentei, de início, de muito má vontade… Ao fim de 15 dias, a minha opinião tinha mudado! Como já referi, nos anos seguintes estive indeciso entre um mundo e o outro – entre Eletrotécnica e Informática –, mas quando chegou a altura de ir para a universidade achei que não valia a pena contrariar as coisas e escolhi Engenharia Informática.

Sempre sonhou fazer a sua carreira no ensino superior, como docente e investigador?

Entrei aqui a saber apenas que queria trabalhar na área da Engenharia Informática. Onde ou como isso aconteceria não era claro para mim, até porque tinha noção que a área era muito ampla. E achei que iria descobrir mais tarde no que me iria especializar. Essa foi a primeira coisa que acordei comigo próprio.

Quando acabei o curso, fui para a indústria. E foi na indústria que descobri que estava insatisfeito, por uma razão muito simples: não podia ensinar. Foi nessa altura que decidi parar, voltar à academia, fazer o doutoramento e tentar a minha sorte. Eu não estava feliz sendo um engenheiro informático convencional. Era algo que gostava de fazer, mas percebi que só estava plenamente feliz quando podia fazer de formador. Estava a faltar qualquer coisa! E o que estava em falta só podia satisfazer na academia.

Para si, quais são os maiores desafios de ensinar na atualidade?

Identifico dois problemas com os quais temos de lidar. O primeiro está relacionado com o défice de maturidade que, no meu entender, se está a acentuar, de ano para ano. E não digo isto em jeito de crítica, é antes uma observação, até porque tenho noção que isto já estava a suceder quando entrei no ensino superior, em 1994.

O segundo problema prende-se com a necessidade de descobrir o que motiva os alunos. Não podemos agarrar os alunos e as alunas se não percebermos o que os/as motiva. Este é um problema difícil, porque, de ano para ano, as coisas mudam de forma tão rápida que é muito difícil descobrir o que motiva alunos e alunas. E precisamos de descobrir o que os e as motiva para lecionar de forma apelativa.

Como é que procura chegar aos/às estudantes para perceber quem está consigo na sala de aula?

Muito simples: através do diálogo. Não deve haver um fosso entre mim e os meus alunos. Não cultivo isso e essa não é uma característica cultural desta casa. No Departamento de Engenharia Informática sempre se cultivou o diálogo e faço questão de dar continuidade a isso. E isto significa que, quando saio da aula, falo e cumprimento os meus alunos, no bar e nos corredores. Tento auscultar permanentemente o que se passa com eles. A minha relação com alunos e alunas não se esgota no espaço da aula, porque nesse espaço não tenho tempo de antena suficiente para sentir o pulso às turmas. Devemos tentar, sempre, chegar aos estudantes. E nunca desistir dessa missão.

Coordena o Amazing Lab. Como é que nasce este projeto e qual é a sua missão?

Este projeto tem como inspiração a minha interação com os alunos de Design e Multimédia. Leciono unidades curriculares na licenciatura e no mestrado em Design e Multimédia há bastante tempo e tenho que conceder-lhes essa inspiração, porque eles abriram os horizontes a alguém que é engenheiro informático de formação. Antes deste contacto, não me passava pela cabeça preocupar-me com coisas como tipografia ou entender que há um método por trás do que eles fazem. E comecei a questionar-me se não poderíamos trazer para a Engenharia Informática esses métodos tão próprios com os quais esses e essas estudantes trabalham.

O Amazing Lab é, entre outras coisas, um makerspace, um espaço de criatividade. Foi criado por inspiração na minha interação com alunos e alunas de Design e Multimédia, mas o objetivo é servir a comunidade de todo o Departamento de Engenharia Informática, que é muito mais ampla.

No dia em que abrimos as portas deste espaço, os primeiros “fregueses” e “freguesas” foram estudantes de Design e Multimédia, que não se acanharam em usar os recursos que temos aqui. Neste momento, já temos também alunos e alunas de Engenharia Informática a usar o espaço. É um processo em curso. Há muito a fazer: temos que construir uma imagem, atrair as pessoas, mostrar que não é um espaço exclusivo ou seleto – antes pelo contrário, é aberto à comunidade!

De referir que o Amazing Lab foi financiado pela Feedzai, através da parceria First Foundation Project, que pretende desafiar e inspirar alunos e professores a sair da zona de conforto olhando para o futuro.

Mostra também o Departamento de Engenharia Informática a estudantes fora do ensino superior. Como é que se cativam alunas/os para que, no futuro, ingressem na UC?

Diria que é dando o testemunho. Costumo dizer que “quem fala do coração não precisa de ensaiar um guião”. E quando recebo alunos e alunas dos ensinos básico e secundário, ou quando vou visitar outros níveis de ensino, acho que o que preciso de levar ou ter comigo é o meu testemunho. Não vale a pena vender as experiências dos outros, porque será sempre algo em segunda mão e porque posso vender a minha experiência, que ninguém conhece melhor que eu. E quando tento projetar a imagem da nossa Universidade para esses públicos falo de mim. Claro que não de forma tão direta, mas é de mim que falo, tentando partilhar a minha experiência enquanto ex-aluno e enquanto professor.

O que mais marcou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Há tanta coisa… Começaria pelo meu ano de caloiro, e por uma aula prática de Física Geral. Nessa aula, há um professor que nos diz, com um ar muito solene: “Vocês têm noção que estão na Universidade de Coimbra? Vocês não vieram tirar um curso, vocês vieram formar-se! Sabem o que é isso?”. Confesso que saí da aula baralhado, porque não percebi o que é que ele queria dizer. Percebi, mais tarde, cerca de cinco anos depois, o que é que ele estava a tentar dizer: eu vim para a Universidade de Coimbra formar-me, como pessoa. Nunca me esqueci daquelas palavras.

Neste caminho, apanhamos muita gente que nos marca, como os professores, que são hoje meus colegas. E é muito complicado quando ouço falar em jubilações, porque a imagem que eu tenho deste departamento está ligada a essas pessoas. E sempre que alguém se jubila, penso, de imediato: “o que é que isto vai ser sem eles?”, porque a responsabilidade de dar continuidade ao trabalho deles é muito, muito grande.

Os momentos especiais, bons e maus, ajudaram a fazer de mim o que sou hoje. E isso é o mais importante. Se calhar a maior dívida que tenho com esta casa, a Universidade de Coimbra, é o facto de ter “pegado” num menino que vinha do interior, com os seus 18 anos, e o ter ajudado a crescer e a seguir um caminho que ele nunca sonhou. Mas, olhando para trás, acho que faria tudo da mesma maneira.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de deixar a atuais estudantes sobre a importância de viver a UC para lá das aulas?

Acho que o mais importante é nunca, nunca perder a visão lateral. Vimos para a universidade para tirar um curso, porque é importante, é valorizado e o mercado de trabalho assim o determina. E é um orgulho para nós que os nossos alunos sejam reconhecidos lá fora como bons alunos e boas alunas. Mas há mais vida para além da parte técnica. E é importante que os nossos alunos e alunas compreendam que estão inseridos num contexto onde há muita gente e muitas maneiras de pensar. É preciso trabalhar a empatia. É preciso saber que o caminho no ensino superior vai ser duro e difícil e, por isso, é preciso ter a certeza do que se quer fazer, porque é isso que nos vai segurar até ao fim. Mas nunca podemos perder a visão lateral de que há um mundo lá fora e precisamos de trabalhar outras competências, porque não vamos trabalhar sozinhos.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 22.12.2022