/ Caminhos na UC

Episódio #41 com Bruno de Sousa

Transformar a sala de aula num espaço que se adapta às características e necessidades de cada estudante

A paixão pela Matemática surge na vida de Bruno de Sousa graças a uma ótima experiência de aprendizagem que teve durante o seu percurso escolar. E foi também uma outra vivência na escola, desta vez pouco positiva, que o fez seguir caminho no domínio da Matemática Aplicada. Hoje é professor na área de Estatística na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, a casa que tão bem o recebeu em 2012. Neste caminho de uma década na Universidade de Coimbra, é com a missão de fazer da sala de aula um lugar à medida das necessidades de cada estudante que todos os dias desafia a sua forma de lecionar e de aprender.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

O meu percurso na Universidade de Coimbra começou há 10 anos, quando vim de Lisboa para Coimbra depois de concorrer a uma posição de professor auxiliar. Antes de vir para cá, estava com uma bolsa de investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que estava prestes a terminar e, por isso, comecei a concorrer a posições que achei interessantes. A Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra tinha aberto um concurso para a área de Métodos Quantitativos, algo que achei bastante interessante e fora do normal numa faculdade nesta área do saber. Concorri e aqui estou desde 2012.

Como é que correu a adaptação a Coimbra?

Correu muito bem. Cada lugar tem os seus encantos. E o encanto de Coimbra acaba por ser a vida académica e a vida na cidade. Coimbra é uma cidade encantadora. O único problema é que só tem subidas, não tem descidas. É o único problema! [risos] Temos sempre que subir para chegar a algum lado. Mas até isso tem o seu encanto. Por isso, não tive qualquer problema no processo de adaptação.

Como é que surge o interesse pela Estatística?

Há muito, muito, muito tempo. Não pela Estatística, mas pela Matemática. Acho que desde a quarta classe que dizia que queria ser professor de Matemática. E a razão é simples: tive uma ótima professora, a Dona Celeste, com a qual mantive contacto até ela falecer, infelizmente, com 96 anos. Foi uma pessoa muito importante em todo o meu percurso de vida.

A Estatística veio um bocadinho por maus motivos. Mesmo antes da entrada na universidade, durante o 12.º ano, tive um péssimo professor de Matemática, que me colocou algumas dúvidas sobre seguir uma carreira dedicada à Matemática. Perante este questionamento, qual é que foi a solução que encontrei? Concorrer a Matemática Aplicada que, em termos de saída, tinha a Estatística, as Probabilidades, a Investigação Operacional e também a Computação. Achei que neste caminho teria algumas janelas abertas para fugir um bocadinho à Matemática pura, a uma carreira só dedicada à Matemática e ao ensino da disciplina. Foi assim que surgiu o interesse pela Estatística. E foi uma escolha acertadíssima, porque desde o início do meu percurso na licenciatura que adorei a área.

Tem participado em inúmeros projetos ligados à Saúde. Qual é a importância do diálogo entre a Estatística e a Saúde?

A Estatística tem uma mais-valia: casa com todas as áreas. É uma área muito transversal, que interage com muitas outras áreas. Hoje em dia, serão poucas as áreas que não têm um pouco de Estatística, desde a Estatística básica à Estatística mais complexa.

A importância é óbvia: o desenvolvimento da Estatística inspirada em problemas reais. Os dados nem sempre são bem-comportados – em regra geral, são mal-comportados – e, por isso, é importantíssimo criar novas metodologias e novos desenvolvimentos, olhar para os dados e dialogar com as equipas médicas. E, neste sentido, a estatística é uma área única, porque nos permite trabalhar com muitas áreas diferentes. Os projetos são diferentes, os objetivos são diferentes, o que torna tudo super interessante.

E o que são os dados mal-comportados que refere?

Regra geral, na Estatística mais teórica e na Matemática, temos sempre muitos pressupostos, que nem sempre são satisfeitos. Por isso, o desenvolvimento de todas as metodologias estatísticas, desde os modelos lineares aos modelos não-lineares, tem sempre um objetivo de relaxar determinadas condições e de criar possibilidades para termos maior confiança nas estimativas que calculamos.

A Estatística lida com a incerteza. Não vamos usar a Estatística se temos a certeza de alguma coisa ou se temos acesso à informação. A Estatística serve-nos quando não temos acesso à informação e permite, através da pouca informação que temos, tentar concluir alguma coisa sobre a população em geral. Nem sempre os dados obedecem a todas as condições que vamos criando e, por isso, surgem sempre novos desenvolvimentos, novas técnicas, novos processos para analisar os dados.

No âmbito dos Prémios Santander-UC de Inovação Pedagógica, desenvolveu o projeto “Ensinar estatística no escuro”, para ensinar diversas metodologias estatísticas de uma forma inclusiva. Como surgiu esta ideia?

O desafio de apresentar a ideia a concurso veio da atual diretora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, que na altura era subdiretora [a professora Maria Paula Paixão], que conhecia um bocadinho o trabalho que eu tinha desenvolvido, numa aula de Estatística, e que me disse-me: “Bruno, devias concorrer a este prémio porque acho que está dentro daquilo que tu costumas fazer”. Fui espreitar as condições e as candidaturas e achei que era interessante.

O “Ensinar estatística no escuro” surgiu pela necessidade. Numa aula de Estatística, tive um aluno cego, o Afonso, e foi preciso perceber como é que iria lecionar a unidade curricular de uma forma acessível a todos. Foi um desafio! Todos sabemos que a Estatística é muito gráfica, é muito mais do que mero cálculo matemático. Neste processo, a equipa de apoio ao estudante com necessidades especiais foi fabulosa. O Luís e a Rosário foram elementos essenciais em todas as loucuras que eu imaginei para aquelas aulas. E a ideia nunca passou por ter uma aula para o Afonso; passou, sim, por incluir o Afonso nas aulas, nas atividades que normalmente faço com todos os alunos.

Algumas atividades que desenvolvemos funcionaram, outras não, nem tudo foi um sucesso. Mas muitas das atividades não só ajudaram o Afonso, como ajudaram à compreensão dos conceitos por parte de toda a turma. Tivemos de desconstruir todos os conceitos de uma maneira iterativa, para os explicar através de descrições, através do tato e de determinados desenhos gráficos em relevo.

No final do semestre, todos fizeram o mesmo exame. A única diferença foi que o exame do Afonso era em braille. E o Afonso fez a unidade curricular sem qualquer problema. Foi um bom resultado.

A candidatura aos Prémios Santander-UC de Inovação Pedagógica surge na sequência desta atividade e do facto de termos percebido que estas atividades podiam não só ser úteis para situações especiais, mas para todos os estudantes. E surge com o desafio de perceber como é que transformávamos algumas daquelas atividades em atividades para todos os alunos e alunas. Para tal, criei uma unidade curricular que se chama “Investigação”, em que juntei alunos normovisuais e alunos com problemas visuais (não só totalmente cegos, mas também com alguns problemas de visão) e tentámos desenvolver uma série de atividades concentradas em três conceitos: na média, na moda e na mediana.

Tivemos sessões muito interessantes de discussão sobre o que é o ensino inclusivo e a definição final foi super bonita, porque não teve a ver com necessidades especiais físicas, teve muito mais a ver com incluir todo o tipo de alunos, independentemente da sua cultura, das suas crenças e de tentar fazer com que essa diversidade fosse uma mais-valia numa aula, e não um bloqueio.

Foi a primeira vez que teve de incluir nas aulas alguém com necessidade de apoio específico?

Foi a primeira vez, o que me pôs em estado de alerta e a pensar no futuro. O que vou fazer se outra situação como esta, ou diferente, surgir? Se tiver um aluno surdo, o que é que vou fazer se não sei Língua Gestual? O que vou fazer se ele não souber ler os lábios? Como professores, estas situações deixam-nos atentos às nossas necessidades, a pensar na forma de nos prepararmos para estas situações.

Muitas vezes, não foi fácil. Preparar estas aulas foi um trabalho diário intenso, ao longo de todo o semestre. Mas acho que uma situação como esta nos põe um bocadinho em alerta para outras situações que possam surgir e para as quais nem sempre estamos preparados.

Assumir estes desafios encontrando soluções para todas/os é a chave para resolver estas situações?

Sem dúvida. Devemos tentar sempre ouvir os alunos e perceber a quem estamos a dar aulas. Dou um exemplo muito simples. Quando dou aulas aos cursos na área de Psicologia, o meu público-alvo é o sexo feminino. Por isso, essas aulas são diferentes das aulas que dava no Departamento de Matemática da Universidade do Minho, em que tinha uma população muito mais mista. Não devemos, de maneira nenhuma, ignorar essas diferenças. Devemos ver quais são as necessidades dos alunos e construir a nossa aula, as nossas matérias e o conhecimento que queremos passar de acordo com essas necessidades. Isso faz parte da nossa missão, sem dúvida.

Que momentos mais marcaram o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Estes dez anos têm sido uma experiência muito positiva. Sempre quis estar ligado à academia e ser professor. Coimbra, desde o início, criou um ambiente ideal para aquilo que eu gosto de fazer. Tem-me permitido estar num ambiente multicultural e extremamente desafiante em termos académicos. E isso criou um ambiente muito propício para que me sentisse muito bem aqui. Fui muito bem-recebido. Na altura, foi a professora Luísa Morgado, que era diretora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, que me contratou e ela tinha uma visão muito importante para a faculdade. Foi uma das grandes impulsionadoras da contratação de uma pessoa de Métodos Quantitativos.

Tomar a decisão de me mudar efetivamente para Coimbra foi um dos momentos mais marcantes do ponto de vista pessoal. Nos primeiros dois anos, eu e o meu marido fizemos Lisboa-Coimbra e Coimbra-Lisboa semana sim, semana não, porque ele trabalhava em Lisboa e eu em Coimbra. Ao fim de dois anos, tomámos a decisão de ficar permanentemente em Coimbra, porque achámos que seria um local muito interessante para assentarmos a nossa vida.

Em termos académicos, destacaria que foi muito bom ter conquistado financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia para um projeto como investigador principal. Foi uma investigação muito desafiante e uma experiência que não vou esquecer, de maneira nenhuma. Nesse projeto, tinha duas grandes amostras de recolha em toda a região Centro, em parceria com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, através de questionários a aplicar a mulheres que faziam rastreio de cancro da mama. Como decorreu durante a pandemia, foi muito difícil gerir toda a recolha presencial dessa informação.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de deixar a docentes da Universidade de Coimbra em jeito de incentivo à inovação pedagógica?

Com base na minha experiência, diria que é importante não ter medo de experimentar coisas novas, de fazer novas atividades, de explorar novos formatos de ensino. Estamos muito habituados a um ensino expositivo em que nós falamos e os alunos escutam sentados. Acho que o desafio passa por incorporar na nossa dinâmica o caminho que os alunos estão a levar.

Cada vez mais, eles têm muito acesso à informação, talvez mais do que nós, que se calhar não temos tanta paciência para estar online como eles estão. Há informação boa e informação má, e precisamos de perceber o que fazer com isso para que saibam fazer uso da informação de qualidade. Neste contexto, podemos desafiá-los a fazer uma “aula invertida” (flipped classroom), dando, por exemplo, uma aula com a informação que os estudantes conseguem obter online. Entre essa informação, certamente haverá coisas que vão estar erradas, e nós podemos fazer uma crítica construtiva para que eles também percebam como se analisa e consome informação. Claro que isto pode não funcionar em todos os domínios, mas acho que o maior desafio passa por experimentar coisas novas e não nos mantermos sempre na mesma dinâmica ano após ano.

Produção e Edição de Conteúdos: Ana Bartolomeu, DCOM, Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 14.11.2022