/ Caminhos na UC

Episódio #39 com Leonardo Vicente

Um caminho em busca das melhores formas de apoiar estudantes da Universidade de Coimbra

Leonardo Vicente formou-se em Direito na Faculdade de Direito Universidade de Coimbra e a Divisão de Recursos Humanos (atualmente, Serviço de Gestão de Recursos Humanos) foi o seu ponto de partida profissional na Universidade de Coimbra (UC). Hoje é o diretor dos Serviços de Apoio ao Estudante dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra (SASUC), função que desempenha há mais de 5 anos. Chegou a este cargo com o grande desafio de gerir uma equipa de mais de 240 pessoas e de contribuir para o futuro das/os jovens que escolheram estudar na Universidade de Coimbra. São duas missões que tem assumido com espírito de compromisso e de seriedade, que se vieram a tornar ainda mais estruturantes com a chegada da pandemia de COVID-19 ao nosso país. Para o futuro, continua a projetar como foco essencial do seu trabalho fazer mais e melhor pelas/os estudantes da UC, lidando sempre com a permanente necessidade de criar mais e melhores respostas na área da ação social.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Começou em 2004, com um estágio profissional na Divisão de Recursos Humanos da antiga Administração da Universidade. Na altura, a estrutura era bastante diferente daquela que temos agora. Tínhamos duas faculdades autónomas – a Faculdade de Ciências e Tecnologia e a Faculdade de Medicina, que tinham administrações próprias – e havia a Administração da Universidade, que tinha as outras seis faculdades e as demais unidades, que atualmente são as Unidades de Extensão Cultural e de Apoio à Formação (UECAFs), nomeadamente a Biblioteca Geral ou o Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV). A Administração era vocacionada para uma estrutura um bocadinho mais pequena e diferente daquela que temos hoje.

O estágio começou no atendimento, onde era necessário um atendimento mais técnico para esclarecimento, muitas das vezes, de questões de natureza jurídica. Por isso, acabou por ser um início de percurso num espaço de atendimento ao público e na área de Recursos Humanos. Acabou por me permitir ter uma visão transversal do trabalho da divisão e permitiu-me começar a fazer outras coisas dentro da antiga Divisão de Recursos Humanos. O percurso acaba por começar numa área completamente diferente daquela em que estou hoje.

Depois de ter realizado o estágio profissional, como surge a possibilidade de continuar a trabalhar na UC?

Fiz o estágio profissional durante um ano e, depois, houve algum interesse em manter a minha atividade e ligação aos Recursos Humanos. Estive cerca de dois anos e meio com uma prestação de serviços. Daí surge uma abertura de um concurso e estive com um contrato a termo. E em 2008 acabei por candidatar-me a um concurso para ganhar vínculo permanente, quatro anos depois de ter começado a minha colaboração e de ter estado com os vários vínculos possíveis.

Atualmente é diretor dos Serviços de Apoio ao Estudante dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra. Para quem não conhece, como funciona este serviço?

Os Serviços de Apoio ao Estudante integram duas divisões – a Divisão de Acolhimento e Integração e a Divisão de Alimentação – e os Serviços de Apoio à Infância.

Os Serviços de Apoio à Infância – que muita gente não conhece, ou conhece mal – têm as valências de creche (para crianças dos 3 meses aos 3 anos) e de jardim de infância (o pré-escolar, para crianças dos 3 anos até à entrada no 1.º ciclo). São duas valências que funcionam em edifícios distintos. Há, e houve, alguns projetos no sentido da unificação das duas valências, porque entendemos que pode ser uma mais-valia, mas isso implica um espaço com uma capacidade muito grande, que não foi encontrado até há data. Por isso, temos a creche na Rua Lourenço Almeida de Azevedo, junto ao Campo Santa Cruz; e o jardim de infância na Avenida Doutor Dias da Silva, no extremo do lado do Cidral (cimo da Rua Miguel Torga). Ao todo, estamos a falar de uma capacidade de acolhimento de 145 crianças, nas duas valências, o que as torna duas estruturas com alguma dimensão. A procura por essa oferta tem vindo a aumentar, até por parte da cidade, além da comunidade UC. A prioridade de colocação começa, obviamente, pelos estudantes, porque acaba por ser também um apoio social que prestamos e por isso, em primeira linha, entram os estudantes. Depois, entram todos os trabalhadores da Universidade, ou com algum tipo de ligação à UC. Na terceira linha, e se ainda houver vagas, surge a comunidade da cidade. Neste momento, temos tido listas de espera. Temos uma procura muito grande por parte da cidade, porque o trabalho desenvolvido no apoio à infância tem sido cada vez mais reconhecido, o que nos dá enorme satisfação.

Para além do Apoio à Infância, temos a Divisão de Alimentação, que será a cara maior dos Serviços de Ação Social, aquela que toda a gente conhece porque, pelo menos dentro da comunidade UC, a generalidade das pessoas acaba por usar alguma unidade alimentar dos SASUC. E acaba por ser uma das nossas principais faces, ainda que não seja a nossa atividade principal, uma vez que estamos a falar apenas do apoio social indireto e não de apoios sociais diretos.

Temos também a Divisão de Acolhimento e Integração (DAI). É uma divisão com várias componentes, que tem, nomeadamente, o Núcleo de Bolsas, que trata da atribuição de bolsas de estudo, atividade core de apoio social direto da ação social no ensino superior. Temos também a gestão de outros processos de apoios sociais, como o Fundo de Apoio Social (FAS), uma espécie de bolsas da Universidade de Coimbra, financiadas com receitas próprias. Em geral, o Núcleo de Bolsas acaba por gerir os apoios sociais de natureza direta. Para além disso, temos a parte dos alojamentos, que também faz parte da Divisão de Acolhimento e Integração. Neste momento, temos 13 residências, com perto de 1300 camas. Como foi anunciado, vamos ter requalificações em duas das residências que estavam em pior estado, e vamos construir duas novas residências, com financiamento da Universidade e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Com isto, contamos melhorar as condições e aumentar o número de camas, numa altura em que sentimos que é muito necessário disponibilizar mais camas aos estudantes. Ainda na DAI, temos o apoio ao estudante com necessidades especiais, uma vez que a inclusão também é uma missão da ação social e é um foco muito grande da Universidade de Coimbra. E temos também a componente de apoio psicopedagógico, dado que a maior parte dos apoios sociais existem baseados no aproveitamento escolar. É condição haver aproveitamento escolar para que o estudante consiga beneficiar dos apoios. E, por isso, é essencial apoiar os estudantes para que consigam ter sucesso académico, para conseguirem ser bem-sucedidos e também para não perderem os apoios que são, muitas das vezes, essenciais para a frequência do ensino superior. Por isso, também temos essa valência na DAI.

Como é que tem sido a experiência de desempenhar esta função?

O início foi completamente novo, uma vez que vinha de uma área de Recursos Humanos e acabo por chegar aqui e encontrar áreas completamente distintas. Claro que me preparei, mesmo quando vim ao concurso, estudei bastante, li relatórios de atividades e procurei inteirar-me de tudo. Mas é completamente diferente ter uma noção do que é feito aqui e depois contactar com a realidade.

Há dois grandes desafios nesta função. Primeiro, a gestão das pessoas. A equipa é muito grande e muito eclética. Estamos a falar de pessoas com habilitações completamente distintas, desde técnicos superiores a assistentes operacionais, com experiências profissionais e vidas completamente distintas. Por isso, é preciso adaptarmo-nos a gerir e a lidar com todas estas pessoas no dia a dia, o que cria logo um desafio enorme. É necessário lidar com as pessoas e tentar ir criando as melhores condições possíveis para elas. Enquanto Serviços de Ação Social e Universidade, temos responsabilidade social e essa responsabilidade leva a que tenhamos de nos preocupar com todas as pessoas.

Além disso, no contexto da ação social a nível nacional, com o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), a ação social perdeu autonomia e deixou de ter orçamento próprio. E com todas as crises que fomos vivendo e com os problemas que tivemos, os orçamentos foram sendo cada vez mais reduzidos. Por isso, neste momento, temos de tentar fazer mais e melhor com menos. Além da perspetiva de conseguirmos chegar ao máximo de estudantes – que é sempre o foco –, temos de conseguir ter contas equilibradas e conseguir fazer as opções certas para tentar garantir que consumimos só o orçamento previsto ou que geramos receitas próprias que nos permitem ter mais margem para conseguir fazer mais coisas. E daí surge a importância do contributo de toda a comunidade UC. Não só é importante que os estudantes recorram aos Serviços de Ação Social, mas, com o envolvimento de toda a comunidade, vamos conseguindo reforçar o nosso orçamento e vamos conseguindo fazer mais por aqueles, que são o foco da nossa atividade.

Ainda há uma componente adicional: nós trabalhamos 7 dias por semana, 24 horas por dia, o que significa que é preciso estar disponível todo esse tempo. Temos 13 residências e a qualquer hora do dia ou da noite pode surgir um problema a que temos de acudir, com uma equipa que não é grande, mas que é boa e comprometida e, por isso, acabamos por dividir o trabalho. E este envolvimento, pelo facto de estarmos em permanência a prestar serviços, também acaba por ser um desafio, porque exige disponibilidade e compromisso, mas isso é uma coisa que é absolutamente essencial para desempenhar estas funções.

O que é que acaba por ser mais recompensador no seu trabalho?

Acima de tudo, o que é totalmente diferente de tudo aquilo que tinha feito antes é que aqui vejo o resultado do nosso esforço e trabalho na vida dos nossos estudantes. Quando resolvemos algum problema, quando temos um estudante que recorre a nós por estar em dificuldades e conseguimos encontrar uma solução que lhe permita continuar a estudar, permanecer no seu percurso e dar-lhe o apoio de que necessita, é a compensação maior. Estar aqui para os estudantes, ajudá-los e contribuir para os jovens que são o futuro do nosso país, e criar as melhores condições para que eles sejam também o melhor para o nosso país, acho que é o mais compensatório da função. Disso não há dúvida nenhuma. Mas também é o mais difícil na função, porque nem sempre temos apoios com alcance suficiente para dar tudo aquilo que é necessário e tudo aquilo que nos é solicitado. Por isso, obviamente, uma pessoa sai daqui preocupada, às vezes frustrada com determinada situação.

O efeito na vida dos estudantes acaba por ser o melhor e o pior, mas também é isso que nos motiva para fazer mais e melhor, para tentar encontrar mais soluções e perceber que apoios adicionais é que importa criar. O que nos move é efeito na vida dos estudantes. E isso é fundamental para trabalhar em ação social, é preciso pensarmos nos estudantes que precisam de nós. Muitas das vezes, são jovens com imenso valor, que só para chegarem ao ensino superior fizeram percursos extraordinários por terem condições em casa muitíssimo complicadas, contexto familiares que nem imaginamos, ao ponto de termos jovens que, com a sua bolsa de estudo, sustentam a família. A pressão que estes jovens têm para ter aproveitamento para conseguirem manter a bolsa é muito maior do que só terminar o curso, porque a família está dependente disso para comer. Por isso, podermos acompanhar e dar apoio a estes jovens é o mais compensador para alguém que trabalha nesta área.

No contexto da ação social em Portugal, quais são os grandes desafios para os próximos anos?

A área do alojamento é uma área que vai ter uma intervenção agora, que tem um investimento de muitos milhões – mais de 10 – e acho que é uma área em que vamos ficar bastante melhor. Neste momento, o que senti é que começa a haver alguma mudança nas necessidades dos estudantes. E, por isso, precisamos de ter uma dinâmica que nos permita acompanhar as necessidades e ajustar os nossos apoios a essas necessidades. Não é só o apoio de bolsas que é necessário, muitas vezes os estudantes precisam de apoio em termos de meios tecnológicos. E na Universidade de Coimbra tivemos um apoio nesse âmbito durante a pandemia, em que foram feitos empréstimos de hotspots, para garantir o acesso à internet, e também tablets, para o acompanhamento das aulas. Sentimos, cada vez mais, que o apoio em meios tecnológicos é um apoio que vamos ter de acabar por instituir, porque tem mostrado ser essencial para garantir a frequência do ensino superior. E é para manter essa frequência, com sucesso, que nós, SASUC, estamos cá.

Os apoios que prestamos devem ser dinâmicos, não podem parar no tempo. E não devemos achar que tudo o que estamos a fazer está bem feito. Claro que alguma coisa está, outras se calhar nem tanto. Temos sempre de ir avaliando. E, para isso acontecer, temos de estar próximos dos estudantes. Sinto que, há 20 anos, havia uma proximidade muito grande entre os estudantes e os SASUC. Fruto das diferenças geracionais, e com muitos meios tecnológicos também a contribuírem para isso, há um maior distanciamento atualmente. E um dos grandes desafios que temos passa por adaptar-nos às gerações que estão a chegar para conseguirmos prestar um serviço mais adequado. É nesse sentido que temos trabalhado diariamente, para nos aproximarmos cada vez mais dos estudantes. As mudanças estruturais e legais na estrutura e organização da ação social nacionalmente, e também na UC, poderão ter penalizado a nossa relação com os estudantes. E é importante que nos reaproximemos, porque quanto mais próximos estivermos dos estudantes, e das suas estruturas representativas, maior perceção teremos das suas necessidades e poderemos ajustar os serviços que prestamos, porque é para isso que cá estamos. Há sempre necessidades permanentes, mas há também novas necessidades e, por isso, a ação social deve ser dinâmica.

Que momentos mais marcaram a seu percurso na UC?

Um dos momentos que vou destacar é a minha saída dos Recursos Humanos. Foi algo que me custou, mas foi esse passo que me trouxe onde estou hoje. Se não tivesse saído dos Recursos Humanos em 2014, não estaria aqui.

No âmbito do meu caminho de mais de cinco anos nos SASUC, houve duas situações que foram mais marcantes, porque exigiram mais de mim. O primeiro foi o apoio aos Jogos Europeus Universitários, em 2018. Foi extremamente exigente montar uma missão em que demos apoio alimentar e alojamento a cerca de 5000 atletas, porque o alojamento disponível na cidade não era suficiente. Em termos de serviços alimentares, para além das unidades alimentares instaladas, foi necessário ter apoio alimentar junto ao Estádio Universitário de Coimbra. Tivemos de montar uma tenda para cerca de 400 pessoas e servir refeições ali, sem cozinha, com motoristas permanentemente em circulação para que fosse possível servir com toda a qualidade todas as refeições, que eram confecionadas nos nossos espaços nos Polos II e III. Foi um trabalho hercúleo, mas foi possível graças à equipa que temos. Todos os colegas dos SASUC se mobilizaram para esta atividade, até mesmo de áreas administrativas que não servem as refeições num contexto normal. E foi também por causa deste espírito de equipa e de família SASUC que este momento foi extremamente marcante.

O segundo momento que registo como muitíssimo marcante foi o arranque da pandemia. Quando sai a comunicação a informar que íamos suspender as atividades letivas e que passaríamos a regime takeaway, de um momento para o outro tivemos de ajustar toda a nossa lógica de funcionamento. Foram semanas duras. Tivemos de reavaliar quer o funcionamento das unidades alimentares, quer das residências, quer do funcionamento administrativo. Nunca parámos de prestar serviços alimentares, nem serviços de alojamentos. Obrigou-nos a olhar para a equipa de forma diferente, o que acabou por ser positivo, porque acabamos por ver a equipa dos Serviços de Apoio ao Estudante como um todo e não apenas como duas divisões e um serviço.

Há também momentos felizes nos apoios aos estudantes, mas reservo esses momentos para nós, até para proteção das pessoas envolvidas.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC, para estudantes e outros membros, enquanto diretor dos Serviços de Apoio ao Estudante dos SASUC?

Para os estudantes, o que acho que é importante é que percebam que nós não nos esquecemos, que estamos aqui para eles. Nós existimos porque eles existem. Venham ter connosco, acompanhem aquilo que fazemos. Muitas vezes, apercebemo-nos de que os estudantes não sabem os apoios que temos. Há estudantes com necessidades que desconhecem que existe um Fundo de Apoio Social ou que existe o Programa de Apoio Social através de Atividades de Tempo Parcial (PASEP), que passa por atividades que são desenvolvidas nas várias unidades da UC em que os estudantes podem desenvolver uma atividade que, além de lhes dar um conjunto de competências e de ser registada em Suplemento ao Diploma, dá apoios em propinas, ou em alojamento, ou em alimentação (através de crédito em cartão).

Sigam-nos no Facebook e no Instagram, porque lá vamos publicitando tudo. Temos muita informação do que fazemos e quando precisarem, provavelmente, vão perceber logo se temos ou não aquilo de que necessitam. Na dúvida, procurem-nos, não hesitem. Não tenham vergonha, não tenham pruridos, não interessa o que possam dizer. Garantimos o sigilo no relacionamento com cada um dos estudantes. E, além disso, estamos cá para tentar ajudar, ou com os meios que temos, ou encaminhando para instituições parceiras. Procurem-nos quando tiverem alguma necessidade, seja ela económica ou de saúde. Temos serviços da saúde e uma das coisas que a pandemia nos mostrou foram os problemas de saúde mental, que se agudizaram com todas as circunstâncias a que estivemos sujeitos. E, muitas vezes, a instabilidade da saúde mental coloca em causa o aproveitamento escolar e o percurso académico. É preciso reconhecer as dificuldades e pedir ajuda.

Para o resto da comunidade, é importante que percebam também o que fazemos, porque, muitas vezes, têm necessidade de serviços que prestamos e vão procurá-los fora, por desconhecimento. Acima de tudo, percebam que, quando recorrem a serviços prestados por nós, estão a reforçar a nossa capacidade para desempenhar o nosso papel, ou seja, para realizar ação social na Universidade de Coimbra. Por isso, recorram aos serviços dos SASUC, para conseguirmos apoiar mais e melhor os nossos jovens e construir o futuro.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 20.10.2022