/ Caminhos na UC

Episódio #36 com Filipa Godinho

Pensar o desporto na Universidade de Coimbra no presente e no futuro

Foi enquanto comissária responsável pela pasta do desporto da Queima das Fitas de Coimbra que Filipa Godinho deu os primeiros passos no desporto universitário. Depois dessa experiência, seguiram-se tantas outras, num caminho onde nunca deixou que essa ligação se quebrasse. A atual diretora adjunta do Estádio Universitário de Coimbra foi a primeira mulher a presidir a Federação Académica de Desporto Universitário e procura manter ativa a sua presença voluntária em organizações que são estruturantes para o futuro do desporto nas universidades. Apaixonada por gestão desportiva, encontra na resiliência dos estudantes atletas da Universidade de Coimbra (UC) e na satisfação dos membros da comunidade UC que participam nas atividades desportivas a força para continuar a pensar o desporto amanhã.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

O meu percurso na Universidade de Coimbra começa em 2007, como estudante da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, na altura da licenciatura em Ciências do Desporto e Educação Física. E aqui estou até hoje. No ano letivo 2016/2017, comecei a colaborar com a Universidade de Coimbra e hoje estou a trabalhar no Desporto UC.

Quando é que tiveste o primeiro contacto com o desporto?

O desporto está na minha vida desde sempre. Comecei a praticar desporto muito jovem. Os meus intervalos na escola eram passados a jogar voleibol ou outras modalidades. Desde muito nova, na lógica de juntar o meu dinheirinho, sempre fiz atividades desportivas: trabalhei em campos de férias, fui monitora de canoagem e outras atividades de aventura. Formalmente, o contacto profissional com o desporto aconteceu nos Jogos Europeus Universitários, que decorreram em Coimbra. Também fui professora de hidroginástica, dei aulas de fitness no ginásio, acompanhei treino personalizado… Sempre tive ligação a várias áreas do desporto. Mas a área que me apaixonou muito foi a área da gestão, planeamento e organização para concretizar coisas. E nos Jogos Europeus Universitários foi quando comecei a trabalhar a sério e a tempo inteiro nesta área e a ter uma experiência profissional na área que gosto.

Tens colaborado com diversas organizações ligadas ao desporto, dentro e fora de Portugal, como a Confederação do Desporto de Portugal, a Federação Académica do Desporto Universitário ou a Associação Europeia do Desporto Universitário. Como é que se foi construindo o teu caminho de ligação a estas estruturas?

Ainda antes de começar a trabalhar na Associação Académica de Coimbra (AAC), na área do desporto, comecei como comissária do desporto da Queima das Fitas de Coimbra, e organizei uma série de atividades. Daí transitei para a Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, ficando, na altura, como coordenadora geral do desporto. Foi nesse momento que surgiu o contacto com o sistema desportivo e federativo.

No nosso caso, o clube é a Associação Académica de Coimbra, que, juntamente com a Universidade de Coimbra, participa nos campeonatos nacionais universitários, e temos também os europeus e os mundiais. Os clubes – não apenas no desporto universitário, mas transversalmente – são a base, o espaço onde as pessoas se conectam, e têm um papel fundamental para colocar as pessoas a terem alguma ligação ao desporto (e quando falo de desporto, falo também de atividade física, sem entrar em conceitos). Os clubes é que fazem o trabalho no terreno e são essenciais para que o desporto se desenvolva.

Depois há a fase das federações. Os clubes integram as federações. E o trabalho que fiz na AAC, quando organizámos umas fases finais dos campeonatos nacionais universitários em 2011, correu muito bem. Na altura, tive a oportunidade de conhecer a equipa que estava na Federação Académica do Desporto Universitário (FADU), inclusivamente o presidente, que me convidou para integrar a equipa dele no ano seguinte. Desempenhei funções como vice-presidente internacional, uma área superinteressante, porque me permitiu ter contacto com todas as provas internacionais, sejam europeias ou mundiais. Comecei a participar nessas provas, as coisas correram bem e acabei por me candidatar à presidência da FADU. A partir daí, acho que foi um caminho que fui seguindo e em que fui agarrando as oportunidades.

A Federação Académica do Desporto Universitário tem assento no Conselho Nacional de Desporto e, por isso, acabamos por ter também contacto com a Secretaria de Estado e com as organizações de cúpula da área do desporto. E foi nessa altura que conheci o presidente da Confederação de Desporto de Portugal e fui convidada para integrar esta estrutura. É também uma organização de cúpula que tem as federações como membros da organização.

No trabalho dentro destas organizações, ainda na FADU, tive a oportunidade de trabalhar com federações internacionais, nomeadamente com a European University Sports Association (EUSA) e com a International University Sports Federation (FISU). Já durante o meu percurso como trabalhadora da Universidade de Coimbra, fui convidada para integrar a Comissão de Educação da EUSA.

Fui a primeira mulher a presidir a Federação Académica do Desporto Universitário e, naquela altura, fui também a presidente mais jovem. Mesmo na Confederação de Desporto de Portugal, sou a pessoa mais nova que faz parte dos corpos sociais. E, por tudo isto, acabei por ter uma ligação às organizações de juventude no desporto. Fiz parte da European Non-Governmental Sports Organisation Youth. Acabei por progredir e hoje faço parte da direção da European Non-Governmental Sports Organisation (ENGSO), uma organização não governamental que integra várias organizações de desporto a nível europeu.

Vamos conhecendo cada vez mais o desporto e as organizações e queremos sempre mais, queremos sempre continuar a fazer parte. E estas organizações acabam por ser muito interessantes porque, mesmo para o papel que desempenho na Universidade de Coimbra, permitem-me conhecer realidades muito diferentes e conheço pessoas em vários meios. E isto vai permitir trazer boas práticas. Isto é apenas um exemplo, mas podermos fazer parte de várias organizações e conhecermos o meio de uma forma mais transversal acaba por ser essencial para o nosso trabalho no dia a dia. É um trabalho voluntário, mas acho que é um trabalho muito importante, que se está a perder muito, sobretudo nos jovens. E acho que isso acaba por ser um problema, porque os jovens já não têm tanto interesse em envolver-se nestas organizações e acaba por comprometer o amanhã.

Na Universidade de Coimbra, acompanhas de perto o percurso de estudantes atletas. Como é a experiência de acompanhar o progresso e esforço delas e deles?

Acho que é importante começar por destacar o papel da Universidade de Coimbra nesta área. Foi feita recentemente uma legislação relacionada com o Estatuto de Estudante Atleta, em que a UC foi pioneira e também foi um exemplo, e tida como boa prática, na realização dessa legislação. Acho que podemos ter orgulho no facto de termos identificado esta questão desde cedo. E a partir do momento em que começámos a trabalhar o desporto na Universidade de forma diferente, fizemos sempre este acompanhamento dos estudantes-atletas.

Temos na UC duas realidades distintas. Temos os estudantes atletas, que são estudantes que participam em equipas universitárias ou que têm uma boa prestação a nível nacional e, por isso, têm acesso ao Estatuto de Estudante Atleta e a algumas regalias que permitem conciliar estas duas vertentes, sobretudo no que diz respeito a conseguirem alterar ou compensar exames, porque estão em competição, ou justificar faltas, quando participam ou estão em processo de preparação para provas. E temos o outro nível, o Alto Rendimento, para o qual criámos e instituímos um programa, que é o Programa de Apoio ao Alto Rendimento da Universidade de Coimbra, em que nós, juntamente com as federações desportivas, identificamos os estudantes atletas de alto rendimento. Este programa é definido por níveis – temos, por exemplo, estudantes que são atletas olímpicos e estudantes que estão em seleções nacionais – e na UC temos, atualmente, cerca de 25 estudantes atletas. Fazemos um acompanhamento muito próximo, que vai além do que está previsto nos regulamentos e na legislação. Tentamos que eles tenham todas as condições para treinar (temos o Estádio Universitário de Coimbra sempre ao dispor), procuramos proporcionar análise e avaliação de treino no nosso laboratório, com o apoio excecional da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da UC. O Santander, em conjunto com a Universidade de Coimbra, também apoia com bolsas anuais (com 10 bolsas de 1 000€).

É feito um acompanhamento muito próximo. Eles precisam de alguma coisa e contactam-me, ou contactam alguém da equipa do Desporto UC. Temos também pontos de contacto dentro das Unidades Orgânicas e tentamos identificar casos muito particulares e auxiliá-los. Posso dar o exemplo de uma estudante, que é atleta olímpica, que acabou este ano o 5.º ano do curso de Medicina e ligou super contente, no dia em que soube que tinha terminado, a dar a notícia. Foi um processo que envolveu várias etapas para se concretizar.

Acaba por ser muito bom fazer este acompanhamento. E acho que para a Universidade de Coimbra também é muito, muito bom, porque temos muitos estudantes em cursos super exigentes, que são atletas, e é muito importante a comunidade UC ter estes exemplos. E neste processo o Senhor Reitor é a melhor pessoa, porque todas as vezes em que os recebe ou está com eles, faz questão de mencionar e de lhes dizer que a Universidade de Coimbra tem muito orgulho em tê-los cá. E isso é muito gratificante, até para nós que trabalhamos com eles.

Posso dizer também que acaba por ser um grupo de amigos, porque às vezes vou jantar com eles e acompanhá-los. Eu adoro desporto, adoro imensos atletas excecionais que temos em Portugal, mas estes estão no meu coração e é excecional acompanhá-los. Mas às vezes temos também o reverso da moeda. Recentemente, uma estudante atleta contactou-me para dizer que está a pensar suspender a matrícula este ano, porque é muito difícil conciliar. Mas estou a tentar convencê-la a inscrever-se só a tempo parcial para que possa conciliar as duas carreiras.

É um trabalho muito particular, mas dá-me um prazer imenso porque é incrível ver que eles, efetivamente, se superam nas duas carreiras! Eles querem, eles têm muita vontade, porque sabem que têm que fazer as duas. Há uns tempos, havia a ideia de que primeiro se era atleta e só depois se seria estudante. Hoje em dia não, porque eles têm a consciência de que são atletas hoje, mas um dia vão ser profissionais de outras áreas, como qualquer outra pessoa. E querem estar bem preparados para o mercado de trabalho. E acabam por chegar ao mercado de trabalho muito melhor preparados, porque a resiliência e a organização que têm enquanto atletas prepara-os para tudo na vida.

A UC tem ao dispor da comunidade universitária várias iniciativas desportivas. Como é que são pensadas anualmente estas atividades?

Como em qualquer organização, é preciso auscultar as pessoas (e a UC tem isso muito bem implementado). A auscultação é uma ferramenta muito importante. Para além disso, tentamos que as atividades sejam o mais abrangente possível, olhando para a comunidade que temos à nossa frente. E começámos um bocadinho a pensar e a testar as atividades por tentativa-erro.

Quando o Gabinete de Desporto da UC se estruturou, na altura dos Jogos Europeus Universitários, começámos logo a dar alguma oferta na prática de atividade física, não competitiva, para qualquer pessoa de qualquer nível poder participar. Hoje em dia, já temos até algumas atividades que estão organizadas por níveis, para que sejam quer para pessoas que nunca tiveram contacto, como também para pessoas com alguma experiência. Assim conseguimos colocá-las em aulas diferentes para estarem mais aptas.

Quando começámos a pensar as atividades, fizemos os Jogos Universidade de Coimbra, um bocadinho na lógica dos Jogos Europeus Universitários, mas numa realidade local. E deparámo-nos logo com duas questões: por um lado, os estudantes gostam de competição; e por outro lado, quem está a trabalhar na UC, como o corpo técnico, gosta de praticar a modalidade que lhe é mais familiar ou outra em que gostariam de se envolver. E foi preciso pensar como é que daríamos a competição aos estudantes, conseguindo, ao mesmo tempo, que praticassem atividade física durante todo o ano letivo. Fomos testando, fazendo pequenas alterações e, hoje em dia, temos os Jogos Universidade de Coimbra muito bem implantados. Acabámos por criar um quadro competitivo em que eles ganham e jogam, perdem e jogam na mesma. O objetivo foi arranjar uma estratégia para que se mantivessem ativos o ano inteiro.

O corpo técnico também participa nesta vertente mais competitiva, porque temos uma Liga para cada público-alvo: estudantes, corpo técnico, alumni e empresas de investigação e inovação que estejam a trabalhar com a UC. E temos também a liga inter-residências, também para estudantes. Tentamos dar uma oferta variada.

Para quem gosta de ter contacto com novas modalidades e de praticar desporto sem competição, temos o Experimenta. E aí temos uma panóplia de atividades, treinos funcionais e modalidades em que trabalhamos até com as secções desportivas da Associação Académica de Coimbra. O nosso objetivo é que as pessoas se mantenham ativas.

Numa lógica de desafiar as pessoas no local de trabalho, de ir lá e dizer “vocês têm mesmo de se mexer”, criámos o UC+ Ativa Laboral, com pausas ativas de 15 minutos, conduzidas por um monitor que vai ao local onde as pessoas estão a trabalhar. Temos vários tipos de treinos, como de ativação ou de postura, que podem ajudar quem passa o dia à frente do computador. E nestas atividades o nosso objetivo principal é que as pessoas se mantenham ativas, que sintam a diferença, que se sintam melhores e mais capazes.

É no contacto com as pessoas que frequentam os vários programas que vamos percebendo o que resulta melhor. E vamos também falando com os monitores, que são professores da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da UC, mas também estudantes de doutoramento. E espero que em breve tenhamos mais uma novidade neste âmbito em que temos estado a trabalhar!

Que momentos mais marcaram o teu percurso na Universidade de Coimbra?

Destaco dois momentos particulares, que são os mais marcantes. Tenho que mencionar a defesa do meu doutoramento. Naquela altura, um senhor da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física ligou-me, super entusiasmado, para me dizer que a defesa seria na Sala dos Capelos, no dia 24 de junho. E eu não tinha pensado muito nisso, porque estava muito focada em preparar-me bem. E quando pensei no assunto, pensei que numa sala tão imponente e tão importante ainda iria ficar mais nervosa. Mas posso dizer que a defesa foi um momento super marcante, com as pessoas que me eram próximas. E o facto de ser ali imprimiu uma espetacularidade ainda maior ao momento. Foi muito importante e marcou-me muito.

O outro momento é um período mais extenso, que é a organização e execução dos Jogos Europeus Universitários. Tivemos muito, muito, muito trabalho! Os três meses antes do arranque dos Jogos foram muito intensos, com poucas horas de sono, mas foi uma experiência incrível. Foi incrível passar tanto tempo a preparar um evento e ver aquelas duas semanas a acontecer. As pessoas que trabalharam connosco naquele tempo foram quase família, porque estávamos juntos a toda a hora.

Para terem noção, um evento desta dimensão, ser feito todo na mesma cidade, com o número de pessoas que estiveram aqui e todas as modalidades presentes é, efetivamente, uma coisa única! Os outros eventos com Jogos Europeus Universitários, com mais ou menos modalidades presentes, não foram feitos na mesma cidade e num perímetro tão pequeno. Conseguimos colocar na cidade universitária as modalidades todas, quase três mil participantes envolvidos, e tudo o resto, toda a estrutura. A cidade respirava Jogos Europeus Universitários! Utilizámos todas as infraestruturas desportivas da cidade; os clubes foram inexcedíveis; as pessoas ajudaram, envolveram-se. Coimbra mobilizou-se para realizar este evento. E, desportivamente, foi o meu momento mais marcante!

Para terminar esta conversa, que mensagem gostarias de deixar à comunidade UC, em jeito de convite à participação nas diversas atividades desportivas que decorrem na nossa Universidade?

O nosso objetivo é sempre – seja em 15, 30 ou 40 minutos – colocar um sorriso na cara das pessoas. Só queremos ver as pessoas a sorrir e a sentirem-se bem. Não há nada como experimentar, dar essa oportunidade ao desporto, envolverem-se, escolherem o que lhes apetecer fazer, e depois as pessoas vão ver os resultados. Nós só precisamos de ter oportunidade para demonstrar e colocar as pessoas em contacto com aquilo que gostamos de passar e transmitir.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM, Inês Coelho, DCOM e Marta Costa, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 01.09.2022