/ Caminhos na UC

Episódio #31 com Luísa Lopes

Desde os finais dos anos 80 a viver e a promover a relação da Universidade de Coimbra com a cultura

Foi a Faculdade de Ciências e Tecnologia a primeira casa de Luísa Lopes na Universidade de Coimbra. Veio de Chaves, no final dos anos 80, à procura de conhecer a história da ciência e foi no cruzamento entre ciência e cultura que descobriu tanta coisa e onde encontrou o seu caminho profissional. Passou pela Rádio da Universidade de Coimbra, pelo Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, pelos Encontros de Fotografia, pela Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, na área da cultural, e é atualmente diretora adjunta do Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV). A missão de levar a cultura às pessoas continua a guiar o seu percurso de longos anos ligado à atividade cultural da Universidade de Coimbra (UC), que tem a porta sempre aberta ao desafio permanente de envolver a comunidade UC e a cidade na cultura.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Cheguei a Coimbra como muitos outros, como estudante. Na altura de optar por uma instituição de ensino superior, acabei por vir para a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Rapidamente comecei também a integrar-me e a "beber" toda a tradição cultural de vanguarda que se passava aqui em Coimbra, desde o teatro, o cinema, a música (através da Rádio Universidade de Coimbra), a fotografia, as artes visuais e a toda outra dinâmica de discussão, de reflexão e de tertúlia que existia na Universidade e que se estendia à cidade.

Como é que chegou à UC enquanto trabalhadora? Foi um acaso ou sempre quis trabalhar aqui?

A minha vinda para trabalhar na Universidade acontece pelas circunstâncias do momento, na sequência de algum trabalho que ia desenvolvendo na cidade, nas áreas da cultura e da divulgação da ciência. Estava a fazer um estágio para, na altura, o Museu de História Natural e, paralelamente, quando estava a terminar fui convidada pela direção do Teatro Académico de Gil Vicente para vir colaborar nos serviços artísticos do Teatro, isto em meados dos anos 90. E aqui fui ficando até 2001. Em 2001, saí e fui para o Ministério da Cultura, para um novo projeto, para organizar a Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003. E fui também colaborando noutros projetos e com outras entidades, como a Delegação Regional da Cultura do Norte e a Universidade de Aveiro. Em 2004/5, a convite da equipa reitoral, vim integrar a equipa da Reitoria da UC, para fazer assessoria na área da cultura, mais propriamente para trabalhar com o Pró-Reitor para a Cultura. Foi nessa altura que regressei à UC e fui ficando e passando também para outras equipas reitorais. E tive também alguma colaboração, em alguns momentos, com o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. E, entretanto, surgiu novamente a oportunidade de regressar ao TAGV.

Atualmente, é diretora adjunta do Teatro Académico de Gil Vicente. Qual é a importância de a UC ter na sua estrutura uma entidade cultural como o TAGV?

É muito importante, claro. O Teatro Académico de Gil Vicente comemorou, em setembro de 2021, os seus 60 anos, tendo sido inaugurado em 1961. E, nessa altura, a UC era a única universidade em que se construíra um equipamento desta natureza, com esta finalidade e com esta capacidade técnica, mesmo para a produção e a criação artística também. Na altura, e ao longo dos anos com o encerramento de outros espaços, acabou por ser a única sala com estas características e dimensão na cidade. E logo aí está a importância de uma universidade manter um espaço como este. E o importante também é, precisamente, a comunidade universitária e outros grupos existentes (como os organismos autónomos da Associação Académica de Coimbra) passarem a ter um espaço com estas características, que é sempre importante para a sua formação, paralela à que vão fazendo na ´ académica.

Uma universidade, ao ter um equipamento destes, também, de certa forma, dá importância à programação e à diversidade cultural ao trazer atividades, espetáculos e iniciativas de fora, ao nível do que se produz na área artística no país, e está a proporcionar à sua comunidade o acesso a determinado tipo de espetáculo que se quiséssemos ver se calhar tínhamos necessariamente que ir ao Porto ou a Lisboa. É uma forma de termos essa oportunidade. E voltando ao que falei no início, quando cheguei a Coimbra se calhar foi aqui que me comecei a formar como público, com o cinema que eu via aqui, com os concertos ou a danças ou o teatro. E quem diz eu, diz toda uma série de gente que vive e que chega à cidade, tanto para estudar, como para trabalhar, ou para quem vem de visita, e tem a possibilidade de aceder a esta dinâmica que é importante para a comunidade. E também é importante que o Teatro tenha essa preocupação de envolver cada vez mais a comunidade.

Durante o seu percurso na UC, tem estado muito ligada à atividade cultural da Universidade. Como tem sido a experiência de trabalhar nesta área?

Tem sido muito enriquecedor. Quando fazemos estas coisas, o importante também é chegar às pessoas, é para isso que as fazemos. Para além de valorizar o património, trabalhar na cultura é chegar às pessoas e fazer com que elas possam usufruir desses conteúdos artísticos. É sempre um desafio, um desafio grande até porque também numa universidade há sempre a particularidade de, quando se está a fazer cultura, está-se também a fazer para uma comunidade muito interessada, à partida, com muitos jovens, professores, quadros técnicos, muita diversidade cultural e internacional, com a cultura de cada país. Ter que fazer (programar) cultura, para um universo de pessoas com as características que mencionei, o desafio é sempre a dobrar. A dobrar ou mais! E vemos a importância que a cultura começou a ter nas universidades, porque, se repararmos, as universidades, ultimamente, têm-se reposicionado em relação à cultura, no sentido de reforçar, de perceber que a cultura é também uma forma de enriquecer as pessoas e de captar estudantes, captar investigadores. E mesmo até para a própria gestão, para a própria governação diária, a cultura e a arte são uma mais-valia. E todas as universidades estão a reposicionar-se e a considerarem a atividade cultural e artística um reforço para a inovação e sustentabilidade, tornando-as assim mais atrativas.

A Universidade de Coimbra, felizmente, sempre teve um papel muito importante na cultura, tanto na cidade como no país. Porque, no fundo, das muitas das pessoas que passavam por aqui, muitas delas vinham de sítios onde na altura havia pouca atividade cultural e, se calhar, era aqui que começavam a ter os primeiros contactos regulares com cinema, com teatro, com outras coisas. E a Universidade de Coimbra, tendo também este Teatro, e não só, fez sempre um bocadinho esse papel, para a cidade e para uma série de gerações que iam passando por Coimbra. E por isso é que acho que a Universidade tem tido e tem um papel muito importante e depois tem um grande património (material e imaterial), como todos sabemos. E a atividade mais diária e contemporânea pode ser uma mais-valia para até ajudar a valorizar e “reolhar” esse património.

Quais é que são os maiores desafios da atuação das universidades na área da cultura?

Um dos grandes desafios das universidades hoje é trabalhar cada vez mais em rede, fazendo um mapeamento das boas práticas da cultura. Acho que o próprio ensino e a vivência universitária podem ser uma experiência muito mais enriquecedora, muito mais democrática, criativa e inovadora para as universidades da Europa e do mundo.

Quanto aos desafios da Universidade de Coimbra, diria que um dos grandes desafios é reforçar o papel que tem na área da cultura relacionada com a lusofonia. Penso que devemos continuar a intensificar essa relação com toda a comunidade universitária dos países lusófonos. A UC, com a sua inscrição na história, deve ser o motor de um ESPAÇO onde gravita do pensamento, a criação e a cultura e a vivência do mundo contemporâneo destes territórios.

Destacaria ainda o momento particularmente importante e desafiante que o Teatro Académico de Gil Vicente está a viver, que está relacionado com a integração na Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, que certamente vai permitir o acesso a mais programas e apoios e também ao alargamento da programação, se calhar fazendo mais coisas que deseja e para as quais não tinha ainda os meios necessários. Isto será um reforço para o Teatro continuar a sua missão.

Quais é que são as maiores recompensas de trabalhar na área da cultura?

Trabalhar na área da cultura, para mim é também no seu todos, um processo criativo e rigoroso permanente (desde pensar no que programar até à fruição do público). Uma das maiores recompensas é sempre dar oportunidade aos artistas e ao público. Com o nosso trabalho, com a pequena contribuição do nosso trabalho, cada vez mais chegar a públicos mais diversificados, desde a própria Universidade, mas também da própria cidade. A acessibilidade, ser cada vez “mais acessível” até a grupos minoritários e permitir o acesso a populações mais carenciadas, isto acaba por ser o mais gratificante. Dar oportunidade também aos jovens e às crianças que ainda se estão a formar, proporcionar o contacto de poder estar num palco, de poder usufruir de um espetáculo. E contribuir também para o desenvolvimento e qualidade das pessoas, sendo inclusivo. Acho que isso é um dos maiores desafios e o mais importante dentro do nosso trabalho e da nossa pequena contribuição como trabalhadores nestas áreas. Se conseguirmos isso, é sempre o mais gratificante.

Considera que na altura em que estudou a comunidade estudantil se envolvia mais nas atividades culturais? O que é que é diferente hoje em dia?

Quando eu era estudante, se calhar proporcionalmente também não se envolviam assim tantos. Havia muitos colegas que não vinham aqui ao Teatro Académico de Gil Vicente e que também não faziam parte de nenhuma secção da Associação Académica de Coimbra. Mas o que sei é que as pessoas estão menos tempo na universidade e isso aconteceu muito por causa das mudanças que vieram com o Processo de Bolonha, nomeadamente com as licenciaturas com menos tempo. As coisas agora são diferentes, mas as coisas também têm que ir mudando, porque o mundo não para e tem que evoluir. Mas acho que há sempre pessoas interessadas, na Universidade e na cidade, mesmo que vivam as coisas de forma diferente do que eu vivia. Mas claro que o desejável é sempre que se consiga chegar a mais pessoas, que a comunidade venha mais (no caso aqui do TAGV) e temos vindo a trabalhar sempre para isso. Mas claro, agora acontece tudo mais rápido!

Que momentos mais marcaram o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Nem destacava propriamente algum momento. Penso que são todos importantes. São todos importantes desde que consigam chegar às pessoas, aos públicos. Mas não posso deixar de referir alguns projetos no sentido que é importante a Universidade manter e ter esses projetos ou idênticos, como a Semana Cultural, a Rua Larga e alguns Congressos/Colóquios internacionais e transdisciplinares. Destacaria também as comemorações dos 725 anos com o video mapping, que mobilizou toda a Região. Os momentos de começar a iniciar as discussões de arte e ciência, com os colóquios, com exposições. Penso que todas essas coisas são marcantes. Mas é também marcante ter tido a oportunidade de trabalhar com as pessoas com que trabalhei sempre e com quem fiz equipa. E convidarem-me para fazer parte das equipas. É importante ter criado esse laço e essa relação com a Universidade e com as pessoas. Porque a “vida” da Universidade também são as pessoas.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC sobre a importância de integrarmos uma Universidade que oferece várias atividades culturais aos seus membros?

Acho que o que é importante é tornarmos a comunidade UC cada vez mais forte, mais sólida. Para isso acontecer é importante também haver este cruzamento de conhecimentos e de experiências, desde docentes, estudantes a quadros técnicos. É importante haver cruzamento e diálogo cada vez mais intenso e penso que isso também vai contribuir para que as próprias estruturas culturais mais ligadas à Universidade possam, elas próprias, dentro da sua atividade, produzir muito mais no sentido de ir ao encontro de proporcionar uma atividade cultural mais enriquecedora e tornando a equipa mais forte, não trabalhando cada unidade em separado.

Acho que também a própria Universidade pode comunicar e transmitir como sempre fez, e ainda mais, toda esta sua cultura à sociedade para chegar a uma comunidade cada vez mais larga e mais inclusiva. Também é importante, que toda a comunidade tenha acesso à produção cultural e à atividade cultural. E a própria comunidade artística também ter a oportunidade de expor os seus pensamentos, a sua obra e o seu trabalho. Se esta casa comum se tornar um corredor cada vez maior na cultura, tanto para os artistas como para nós usufruirmos como público, isso é muito importante e é essa a mensagem que dou às pessoas. E, estando nós aqui sentadas no Teatro Académico de Gil Vicente, diria para passarem e virem ao Teatro, colaborem até e proponham sugestões. É esta a mensagem que queria deixar.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Ana Bartolomeu, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 23.06.2022