/ Caminhos na UC

Episódio #30 com Sónia Filipe

Trazer o passado para o presente projetando as suas vivências no futuro

Foi enquanto estudante que Sónia Filipe começou o seu percurso na Universidade de Coimbra. Chegou a Coimbra, vinda de Aveiro, em 1996 para ingressar no curso de História, variante de Arqueologia. Uma escolha alicerçada na vontade de saber quem fomos no passado e os caminhos que nos trouxeram até à atualidade. O enamoramento diário pelo património da nossa Universidade mantém sempre viva a missão de dar continuidade ao seu trabalho de acompanhamento do passado. Um trabalho que não se prende somente em descobrir, recuperar e cuidar, mas também potenciar o uso e a permanência deste património, no presente e no futuro, para todas as pessoas.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Eu cheguei à Universidade de Coimbra como muitos de nós chegam, para estudar. Vim prontinha para começar uma vida nesta cidade e nesta Universidade como estudante, em 1996, para tirar o curso de História, variante de Arqueologia. Fui fazendo o meu percurso normal, com participação como voluntária nos projetos de investigação e nas escavações arqueológicas que os professores e investigadores iam organizando, complementando, assim, a formação académica com formação de campo. Entretanto, participei também no programa Erasmus e estive um período na Universidade de Salamanca, que foi muito enriquecedor e uma experiência muito curiosa poder ter participado na vida académica destas duas universidades, as mais antigas da Península Ibérica. E por aqui fui ficando, quer primeiro como voluntária, quer depois enquadrada em diferentes trabalhos e projetos. Foi acontecendo ficar nesta cidade, que acabou por se transformar, também, na minha cidade.

Por que motivo escolheu formar-se na área da Arqueologia?

Penso que acaba por ser comum a muitos de nós, mas sempre tive apetência e um interesse muito particular por perceber como é que fomos, como é que nos construímos enquanto pessoas, enquanto comunidade, permitindo-nos chegar aonde estamos agora. E, portanto, sempre tive um interesse muito particular nas questões da História, do passado, daquilo que os territórios, os espaços e as memórias têm para nos contar. Como disse, na minha altura o curso que existia era de História, variante de Arqueologia, não havia o curso de Arqueologia de forma autónoma. Mas eu penso que isso foi, inclusive, vantajoso. Porquê? Porque penso que é muito importante ter esta ligação e perceber que são formas e abordagens complementares, e ambas necessárias para construir e chegarmos ao passado histórico. Esta opção pela Arqueologia ao invés da História, ou da História da Arte, tem muito que ver com o facto de – se calhar até, inicialmente, de um modo um pouco romântico, mas que continuo a achar que é muito importante – o tipo de documentos que trabalhamos serem documentos que nos chegam de forma maioritariamente involuntária, não preparada. Há uma casa que é abandonada, que entra num processo de ruína; as coisas ficam lá dentro e até que, por processos múltiplos, nos vão chegar fragmentos dessa realidade. Isto permite-nos chegar à pessoa comum, à comunidade de todos os dias, aos espaços e às memórias para os quais não se pagou a produção ou a escrita de um documento, não se pagou a obtenção de um retrato. Isto não torna este aspeto mais importante do que qualquer outro, mas, realmente, a mim sempre me fez muito sentido poder chegar a esta faceta amplamente maioritária do passado e muito desconhecida a que a Arqueologia me permite chegar, penso eu, de uma forma mais fácil do que outras formas e outros objetos de estudo da História.

Referiu que se foi envolvendo em vários projetos ainda enquanto estudante. Foi no âmbito desses projetos que ingressou na UC enquanto trabalhadora? Foi um acaso ou sempre desejou trabalhar aqui?

Foi uma feliz coincidência. Na altura, no âmbito da preparação de um projeto multidisciplinar, estava a ser preparado pela Reitoria da UC um conjunto de trabalhos de Arqueologia e História da Arte que iriam ser realizados no Pátio das Escolas, onde estamos. O projeto tinha esse objetivo desde o início, foi desenhado para ser multidisciplinar. Tinha, desde logo, o aporte e o olhar da História da Arte, coordenado pelo professor António Filipe Pimentel, e da parte da Arqueologia foi designada a professora Helena Catarino, do Instituto de Arqueologia. Eu estava a terminar a minha permanência na Universidade de Salamanca, ao abrigo do programa Erasmus, e nas trocas de correspondência e de contactos surgiu esta indicação de que iriam ter lugar trabalhos no Pátio. E desta disponibilidade para trabalhar em conjunto, viria a iniciar aqui o apoio a esses trabalhos, como voluntária. E a partir daí foi acontecendo a minha participação essa intervenção que tinha, inicialmente, uma duração limitada no tempo e na dimensão da área de intervenção, e foi acontecendo as coisas irem tomando outro fôlego. Em simultâneo, a própria estrutura da Universidade foi precisando de fazer um conjunto de intervenções em vários espaços e eu acabei por ir permanecendo ligada à Instituição. É daquelas felizes coincidências em que nos propomos a participar num projeto, talvez no momento certo, e depois o resto foi surgindo. Foi acontecendo um desafio, a seguir um outro e a seguir ocorre uma proposta. E quando damos por ela, já são alguns anos aqui a olhar desta forma para/por estes espaços e este território.

Nas intervenções que têm decorrido ao longo do seu tempo de trabalho aqui na Universidade de Coimbra, quais é que a marcaram particularmente?

É sempre um privilégio todos os dias de trabalho num espaço com as características da Universidade e deste nosso território. E em todas as suas vertentes: nos fragmentos que nos traz da cidade romana de Aeminium; naquilo ainda muito limitado que nos traz da capital da sede do Bispado Visigótico; naquilo que nos chega (como aqui na zona do Paço das Escolas) do alcácer no período de dominação islâmica; ou depois em tudo aquilo que vai ocorrendo no período condal e no início do nosso Reino até aos dias de hoje. Todos os dias são, de facto, um privilégio e é muito difícil selecionar apenas um projeto, apenas uma intervenção, porque nós trabalhamos para dar resposta a necessidades muito diversas, com escalas de atuação muito distintas. E há projetos que, se calhar, independentemente da sua escala, tiveram momentos de uma maior aproximação ou de uma maior diferenciação, que nos marcam.

Naturalmente, o projeto do Pátio e do Paço é sempre um sítio ao qual voltamos, pelo que, do ponto de vista identitário, o Paço das Escolas representa para todos nós. E porque o meu primeiro trabalho foi aqui. E quando falamos nisto, é extraordinário que ao longo destes anos possamos ter feito um conjunto significativo de intervenções: no Pátio das Escolas, na Capela de São Miguel, na Torre da Universidade, nas caves do antigo Observatório Astronómico, no restauro da Porta Férrea, na Biblioteca Joanina, (intervenções) no Colégio de São Pedro. É muito interessante percebermos o que este espaço de exceção e de excelência – devidamente reconhecido como espaço de valor universal excecional – nos vai proporcionando e nos vai oferecendo acerca da sua evolução e diferentes usos.

Destacaria, de entre estes, a intervenção no Pátio, por aquilo que permitiu trazer à claridade: o conhecimento de uma domus - uma casa senhorial da época romana, incluindo a presença e o fragmento de mosaico da época romana, que é o único que neste momento se conhece na cidade romana de Aeminium. Mas destacaria igualmente uma intervenção, em 2010, de escala e duração mais reduzida, na Torre da Universidade, que teve a particularidades e ter sido desenhada, desde o primeiro momento, em conjunto com vários especialistas para ser visitada durante os trabalhos. Havia um estaleiro pedagógico ao mesmo tempo que a intervenção estava a acontecer para que as pessoas aproximassem e apropriassem do objeto que estava a ser reabilitado durante esse processo, com um conjunto de conversas e de partilhas das várias especialidades que, ao mesmo tempo, estavam a trabalhar aquela peça, que eu penso que se traduziu, ainda hoje, numa prática e num momento diferenciado de articulação entre o conhecimento, a ciência, a prática, a obra, a intervenção, o relacionamento com a comunidade e com aqueles que nos visitam. Porque nós tínhamos visitas que, inicialmente, eram pontuais e, a dada altura, passaram a ser com uma regularidade muito, muito forte.

Talvez aqui do Paço selecionasse essas, sendo impossível deixar de parte tudo aquilo que são/foram as intervenções do antigo complexo da Companhia de Jesus, com muito particular enfoque para a transformação, reabilitação e a requalificação do antigo Laboratório Chimico, na prefiguração do Museu da Ciência, com tudo aquilo que fez parte dessa intervenção, incluindo a procura de entendimentos e consensos que permitiram devolver ao edifício do século XVIII o que restava do refeitório dos jesuítas, anterior, e integrá-lo depois no projeto museográfico e museológico.

Também podemos falar da intervenção na Estufa Grande do Jardim Botânico ou do processo extraordinário sempre que vamos às minas subterrâneas de condução de água para o Jardim (que, desde o século XVIII, cumprem esta sua missão de trazer água onde ela naturalmente não existia e de alimentar este espaço verde de exceção na cidade). E tantas outras. E tantos, tantos momentos que teria para apontar. Poderíamos estar aqui horas a descrever momentos e intervenções. Sinto que é realmente um grande privilégio trabalhar aqui e Coimbra é um espaço verdadeiramente generoso naquilo que ainda preserva do seu passado, ainda que de forma muito fragmentada, muito dispersa. E cabe-nos a nós ir juntando esses fragmentos e procurando reencontrar esses mosaicos do passado, dando-lhes cor, dando-lhes vida e a sua expressão própria, trazendo-os à leitura e à contemporaneidade de todos nós, quem agora habita este mesmo espaço.

Desde 2013, o conjunto histórico-cultural Universidade de Coimbra - Alta e Sofia é Património Mundial da UNESCO. Integrou o Gabinete de Candidatura desde 2004. Como foi fazer parte de todo este processo?

Ter integrado, primeiro, o Gabinete do Paço das Escolas, em 2003, e, depois, o Gabinete de Candidatura, em 2004, durante todo o período até à entrega do dossiê, foi uma experiência que foi verdadeiramente um privilégio, um momento de exceção naquilo que é a vida de todos nós que tivemos a sorte de participar neste processo.

Foi um processo muito trabalhado, muito construído, muito debatido com uma equipa muito vasta. E durante um período significativo, tivemos o olhar do arquiteto, do engenheiro, do historiador da arte, do historiador, do designer, do engenheiro-geólogo, do conservador-restaurador e, claro, do arqueólogo a olhar para este espaço, a procurar as melhores formas de o conhecer e de o reconhecer de forma a que fosse evidente para todos, e assim pudéssemos, nós próprios, encontrar a forma e a narrativa que permitissem tornar claro que este é um espaço de valor universal excecional. Tornar claro, para todos que o conhecíamos, que éramos capazes de o identificar, que tinha em si características de autenticidade e de integridade que justificavam a sua inscrição na Lista do Património Mundial e, ainda, que estávamos cientes e capazes de assumir este compromisso com o mundo e de dar resposta de futuro a este passado qualificado do qual somos fiéis depositários e transitoriamente guardiães.

Desse ponto de vista, quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista pessoal, foi um momento de grande crescimento, de muito trabalho, de muitos desafios, imperdível. E, naturalmente, de uma grande emoção quando recebemos e vimos as imagens com a indicação de que a Universidade de Coimbra tinha sido inscrita na Lista de Património Mundial, em 22 de junho de 2013. Da mesma forma que, fruto dessa mesma reflexão e da possibilidade de ter podido continuar ligada ao processo do apoio à gestão deste espaço, termos desenvolvido, em 2019, um processo de minor modification em que defendemos a inclusão do Museu Nacional de Machado de Castro na área classificada e não na área tampão, como estava até ao momento. E assim chegou um novo momento de júbilo e de alegria quando, a 7 de julho de 2019, conhecemos essa aceitação e indicação por parte da UNESCO, que é a inclusão do Museu Nacional de Machado de Castro, que não só era justificada, como garantia e reforçava questões de autenticidade e de integridade relacionadas com o Bem Universidade de Coimbra, Alta e Sofia.

São momentos extraordinários, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista profissional. São momentos únicos nas nossas vidas e que permitiriam, para além da formação base, um investimento pessoal e crescimento do conhecimento destas questões e no seu estudo, um conjunto de relações humanas muito importantes que, felizmente, se mantêm e que eu acho que são aspetos fundamentais e extraordinários quando falamos de processos deste tipo, que são sempre muito complexos, demorados, não lineares (como nunca poderiam ser). Porque a diversidade do Bem, e aquilo a que nos propúnhamos, fazia com que fosse muito difícil que fosse um processo linear, simples e imediato. Penso que a classificação, e a preparação do processo do dossiê de classificação, demorou o tempo que tinha de demorar para que depois tivesse o nível de aceitação que conheceu a nível nacional, primeiro na Comissão Nacional da UNESCO, como depois a nível internacional.

E o que é que exige, atualmente, esta distinção?

A chancela UNESCO implica que há um compromisso assumido e claro de manutenção do valor universal excecional do Bem e que ele deve ser continuado. Somos responsáveis por manter essas questões, por ter um plano de gestão e de salvaguarda, e por irmos dando resposta à manutenção das características que levaram à inscrição na Lista do Património Mundial.

Para além disso, é importante clarificar que, fruto destes passos e de muitos dos edifícios até já serem classificados antes como Monumento Nacional, não há normativas, muito, muito diferentes pré ou pós-2013. Por exemplo, aqui, no Pátio das Escolas, ele já tinha o estatuto de Monumento Nacional. E, portanto, todo o conjunto de pressupostos, do ponto de vista técnico, da obtenção de autorizações, da apresentação de relatórios técnicos específicos para puder realizar intervenções físicas (de reabilitação e de manutenção do espaço físico), não são muito distintas em sido que já era aplicável. Há é uma necessidade permanente de manter muito presente este compromisso que se assumiu e ter presente que este é um compromisso para o qual se olha todos os dias e que implica um olhar atento, permanente e qualificado sobre estes espaços - e isso já existia antes de 2013, continua a existir e tem de continuar a existir de uma forma muito clara.

Lembrar também que não são apenas os edifícios que são classificados como Património Mundial. E quando dizemos isto, passa também por estarmos atentos e cuidarmos daquilo que é a componente imaterial que também lhe está associada e que também está no processo de candidatura e depois de inscrição. É igualmente algo a ter em atenção.

Isto é um trabalho de todos os dias. É um trabalho permanente. É um espaço privilegiado para o diálogo, se assim quisermos que seja, porque nós só podemos manter a autenticidade, a integridade deste espaço, por exemplo, que ainda têm funções universitárias ou que estiveram ou estão com atividade universitária ao longo dos séculos. Uma das formas de manter a sua autenticidade, é manter o seu uso. E a Universidade de Coimbra, Alta e Sofia tem este desafio diário de encontrar este consenso e equilíbrio para o espaço que o compõe, que permanece de atividade, de investigação, do ensino, do projeto científico, da ousadia, da criação artística, de lecionação, de fruição para quem nos visita, quem vem para nos conhecer. Tudo isto aqui cabe e tudo isto cabe no cuidar desta classificação.

O que é que mais a fascina no seu trabalho?

As minhas tarefas são muito distintas. Eu não tenho dois dias iguais, nem sequer uma manhã igual a uma tarde. Os desafios surgem de uma forma, muitas vezes, inesperada. Há algo que eu acho extraordinário, que é esta capacidade de enamoramento e de deslumbramento, ainda e sempre que atravesso a Porta Férrea. E quem diz a Porta Férrea, diz os outros sítios. É extraordinário esta possibilidade de manter o encantamento; este olhar que ainda promove a relação; esta capacidade de manter relação com os espaços, com edifícios, naturalmente também com as pessoas, e com os cacos, com os fragmentos, que é aquilo que é muito particular da minha atividade – é extraordinário ser-nos possível emocionarmo-nos com um fragmento, porque lhe conseguimos adivinhar ou imaginar a forma total, ou perceber que aquele fragmento tão pequenino nos pode ajudar a contar uma história para a qual (ainda) existe um ponto de interrogação.

Temos de perceber que a atividade arqueológica não é sempre aquela atividade idílica, desprovida de barulho, de pó e de desconforto. E, portanto, nem sempre é a atividade mais fácil, mas é sempre extraordinário o estarmos lá como observadores privilegiados e qualificados. Por exemplo, no acompanhamento de uma vala, uma coisa, à partida, pouco excecional, podermos identificar um fragmento de um azulejo que, depois de lavado, verificamos que é um fragmento de um azulejo da coleção dos azulejos didáticos, dos azulejos que ensinaram jesuítas. E aquele fragmento, tão pequenino, vai ajudar a cimentar o conhecimento de uma história maior, que permite fazer a ligação com os azulejos que estão Museu Nacional de Machado de Castro, com o edifício do Colégio de Jesus de Coimbra, com os outros espaços onde existiram esses azulejos. Essa capacidade que permanece, de enamoramento com os fragmentos, com os espaços e com as pequenas memórias que vamos conseguindo recuperar, eu acho que é um enorme privilégio. E, felizmente, é algo que me acontece ainda com bastante frequência. Todas as manhãs são diferentes. E eu acho que isso é, não só bastante desafiante, como extraordinário.

Que momentos mais marcaram o seu percurso na Universidade de Coimbra?

É difícil. Todos nós temos um conjunto de muitos momentos na construção dos nossos dias e, às vezes, chegar a um só dia… Por exemplo, se calhar é fácil destacar o dia 22 de junho de 2013, porque é aquele dia que nós todos vivemos com muita alegria, com o resultado de um processo longo. Foi um resultado feliz para a Universidade e para a cidade, com a inscrição na classificação como Património Mundial. Mas esse dia, esse momento e essa alegria, é o somatório de muitos momentos que o antecederam. Ao mesmo tempo, pode ser a antevisão e deverá ser a antevisão de muitos outros momentos felizes que se sucederam, e dos que virão.

Talvez destacasse alguns momentos, aqui, no Pátio das Escolas, particularmente logo no início da intervenção arqueológica, por exemplo, quando apareceu um mosaico da época romana, que não estávamos propriamente a contar. A forma como, inclusive, quem estava à volta no Pátio para visitar a Biblioteca Joanina (na altura, o circuito turístico funcionava de uma forma um bocadinho distinta) ia participando e ia pedindo para ser integrado, ao ponto de nós construirmos uma estrutura, tipo palanque, com um painel em que íamos alterando a informação para que as pessoas soubessem o que estava a acontecer e o que ia aparecendo, foi um momento distinto do que era o normal dia-a-dia do Pátio das Escolas. Talvez destacasse esse momento como um momento particular, em que conseguimos perceber, claramente, que um sítio de valor tão extraordinário, como é este Pátio, mesmo como ele se nos oferece agora, tinha em si ainda tanto para nos contar daquilo que foi há dois mil anos atrás e daquilo que foi há mil anos atrás. Talvez esse momento mereça destaque.

Talvez, também, o momento em que finalmente percebemos que, no Largo D. Dinis, o embasamento da torre medieval do Castelo de Coimbra subsiste. E, pese embora todas aquelas imagens que tanto nos entristecessem quando olhamos para o álbum da Velha Alta desaparecida, algo do castelo medieval da cidade restou, ainda que só ao nível das fundações. Nós pudemos torná-lo visível, torná-lo aparente naquele momento. E com isso, e com os processos de registo associados, poderemos trazê-lo para a nossa comunidade nos dias de hoje.

Tantos, tantos momentos… E, depois, naturalmente, um conjunto de conversas, pequenos momentos, pequenas emoções que eu considero que são sempre muito importantes. Estes momentos, naturalmente, são da esfera privada. Tudo isto faz sentido quando o sítio onde trabalhamos não é apenas o sítio onde trabalhamos é parte do que somos.

Quando nós olhamos para este espaço e o tornamos extensão de coisa nossa é normal que haja todo um conjunto de pequenos momentos de encantamento, em que a memória nos conduz acompanhado de alguma emoção, não permitindo transpor tudo isto para um único momento ou de um episódio em particular. E, naturalmente, as pessoas. O conjunto de pessoas com que tenho tido a felicidade e fortuna de trabalhar ao longo dos anos, das mais variadas áreas de formação, das mais variadas faixas etárias, eu considero que é um dos grandes privilégios de trabalhar não apenas neste espaço, mas também nesta área. Nós trabalhamos em muitas áreas e torna-se necessário que trabalhemos com muitas pessoas, com abordagens distintas, com olhares particulares, para que, todos juntos, consigamos construir algo. E consigamos tomar decisões, que tentamos que sejam o mais informadas possível. Acho que é esse grande somatório que faz com que continue a ser uma emoção todos os dias chegar à Universidade de Coimbra para trabalhar.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC sobre a importância de podermos continuar a viver, todos os dias, um espaço que é Património Mundial da UNESCO?

Acho que, primeiro, é, efetivamente, termos consciência do privilégio de estarmos e de termos a Universidade como coisa/causa nossa. Trabalharmos, habitarmos, sentirmos o devir do nosso tempo, fazermos dele o nosso espaço de formação, num espaço que é uma das cinco universidades no mundo com este estatuto (porque é a própria Universidade que tem estatuto de Património Mundial). E isso já é suficientemente revelador da singularidade e da exceção que este espaço é e do que pode acolher. Nunca pode ser sinal de cristalização no passado da posição de que o Património é apenas um olhar para o passado, até aos dias de hoje, e que hoje não é mais coisa nossa.

Aquilo que eu gostava de deixar, acima de tudo, é o desejo de que todos nós nos possamos apropriar da Universidade como coisa nossa. Vivê-la, procurar conhecê-la. Parece muito banal e muito linear esta afirmação de grande simplicidade mas é importante manter e dar espaço a estas expressões banais, mas muito necessárias: Nós não conseguimos cuidar e amar aquilo que não conhecemos. Se não nos relacionarmos, se o objeto nos for indiferente, não o cuidamos da mesma forma, não estamos tão atentos. Portanto, eu aconselharia e estarei disponível para a participação em estratégias e ferramentas que o permitam a todos, comunidade UC (sejamos estudantes, investigadores, corpo técnico, docentes), conhecermos a nossa Universidade, querermos bem à nossa Universidade, construirmos futuro com a nossa Universidade, honrando o passado que a nossa Universidade tem, que é um passado de exceção. E, lá está, universal, que transcende as paredes e os limites deste espaço, seja ele aqui na Alta - o Polo I, seja ele na Rua da Sofia; no Polo II e no Polo III.

Ser Universidade de Coimbra é um privilégio, mas é também uma oportunidade. E é sempre uma oportunidade de construir futuro. Juntos.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 02.06.2022