/ Caminhos na UC

Episódio #29 com Isabel Teixeira Gomes

Nas relações internacionais, nos serviços académicos e no acolhimento: há mais de 42 anos a deixar a sua marca na Universidade de Coimbra

Uma vida profissional cheia de desafios é assim que, para Isabel Teixeira Gomes, podem ser resumidos os mais de 42 anos ao serviço da Universidade de Coimbra (UC). Atualmente a assessorar a direção do Colégio das Artes da UC, é a formada em Línguas e Literaturas Modernas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e desde cedo foi percorrendo os corredores de uma universidade que, aquando do regresso a Coimbra, aos 10 anos, vislumbrou no topo da colina. Iniciou funções em 1980, no Gabinete de Apoio ao Reitor, e desde então vários foram os espaços, serviços e desafios que passaram pelo seu caminho. Um percurso onde um encontro sorridente no corredor anima o dia, sempre movido pela recetividade à mudança que tem permitido construir este caminho de mais de quatro décadas na UC.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

A Universidade de Coimbra foi o meu primeiro local de trabalho. Iniciei a 28 de janeiro de 1980, na Reitoria, com o Professor Ferrer Correia. De início, foi um convite para trabalhar no Gabinete de Apoio ao Reitor. Estive poucos meses no Gabinete do Senhor Reitor e transitei para o Gabinete de Relações Públicas. Como tinha formação em Línguas (estava no Ano Propedêutico, ainda apanhei esse modelo de ensino e tinha os institutos de línguas) e, na altura, precisavam de um tradutor-intérprete e passei a trabalhar com o Vice-Reitor Professor Luís de Albuquerque que, na altura, estava responsável pelas relações externas. Nessa altura ainda não se falava em relações internacionais. Foi aí que comecei a minha carreira na Universidade de Coimbra.

E com que outros serviços da UC já colaborou?

Em 1985, com a entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia (CEE), houve a oportunidade de, na UC, ser criado um serviço de relações internacionais, que, na altura, não era um serviço, era um gabinete. Fui uma das cofundadoras, com uma colega que, entretanto, já está aposentada – a Filomena Marques de Carvalho – e iniciámos este caminho num sítio muito interessante, que foi a Capela da Reitoria, a Capela Real. E foi aí que se deu início, precisamente, à internacionalização propriamente dita da Universidade de Coimbra.

Começámos com o programa Erasmus e acolhemos os primeiros estudantes de mobilidade no ano letivo 1987/1988 e recebemos seis estudantes estrangeiros. E creio que foram três os estudantes da UC que foram estudar para outras universidades. Depois começou o programa Tempus, que permitiu a extensão da mobilidade para os países de Leste. E foi muito interessante, porque possibilitou um conhecimento de culturas que até aí estavam afastadas da Europa. Foi muito enriquecedor. Inicialmente, estava ligada à mobilidade de estudantes e, com o crescimento do gabinete e com a chegada de colegas, transitei para a parte da formalização dos acordos bilaterais, ou seja, a negociação da mobilidade com as instituições parceiras. Foi muito interessante! Deu-me uma visão muito grande da Universidade, no seu todo, porque trabalhava com coordenadores de cursos e com docentes. E foi uma experiência muito enriquecedora do ponto de vista dos contactos com universidades estrangeiras. Foi um trabalho que me proporcionou muita deslocação. E foi algo que me encheu as medidas, digamos.

Estive nas relações internacionais até 2003. Na altura, surgiu um convite para dirigir a Divisão de Alunos, no Palácio dos Grilos. O Senhor Secretário-Geral da Universidade, o Dr. Luzio Vaz, conhecia o meu percurso e formalizou o convite. Foi um desafio! Estava habituada a trabalhar com a parte da internacionalização, com os alunos de mobilidade e transitei para o apoio aos estudantes nacionais e também a todos os que vinham das colónias portuguesas, que não eram tratados a nível das relações internacionais, onde havia uma necessidade redobrada de apoio. Fui dirigir (não gosto da palavra chefiar e sempre gostei de ser colega, mesmo estando numa posição de direção) uma equipa de 31 pessoas. Na altura, a Divisão de Alunos tinha cinco áreas: a parte de matrículas e inscrições, os estudos pós-graduados, a mobilidade das candidaturas, a área pedagógica (que se ocupava das provas académicas) e o expediente. Com o processo de criação do centro de serviços comuns e de serviços especializados, foi preciso redefinir os serviços. E isso foi muito interessante e um desafio! E, aliás, considero que a minha vida profissional foi sempre de desafios. E por isso, talvez, é que mantenho ainda um pouco a minha capacidade de adaptação à mudança. Senti sempre que podia aprender. Sou, aliás, apologista do ensino ao longo da vida, não só profissional, mas também académico.

Estive oito anos como chefe de divisão e depois surgiu mais um desafio, para ir coordenar a área das necessidades educativas especiais, que estava, na altura, ligada à gestão académica. Nunca tinha tido contactos, nem mesmo a nível pessoal, com pessoas com necessidades educativas especiais. E, portanto, era um novo desafio a enfrentar! Como não estava a par da área, tive que começar do zero, sentando-me ao lado da equipa que estava no serviço e começar a ver o que é que faziam, para aprender e não entrar com uma postura de chefia, procurando fazer melhor, mas sempre com o apoio e envolvimento da equipa. Dávamos apoio a vários estudantes, não só a quem tinha problemas de visão, mas também dislexia ou autismo. Estive nessa área ano e meio. Depois, falei com o Senhor Administrador na altura, o Dr. Jorge Tavares, no sentido de que estava disponível para mobilidade interna para qualquer área. Na altura brinquei com ele e disse-lhe que apenas a área financeira é que seria um pouco mais difícil, porque não sabia praticamente nada, mas, pelo menos, carregamento de faturas eu saberia fazer. Proporcionou-se também que, na altura, o Professor António Olaio, que é o diretor do Colégio das Artes, tinha sido nomeado recentemente e necessitava de uma pessoa para dar apoio, para assessorar a direção do Colégios. Foi um processo muito rápido! E desde esse dia até hoje já se passaram oito anos.

Foi uma experiência nova conhecer o lado de cá. O meu percurso tinha sido feito sempre ao nível dos serviços centrais, da Administração, e nunca de uma Faculdade. Para além de ser uma unidade orgânica completamente nova para mim, porque trabalhamos a nível de mestrado e doutoramento (não temos 1.º ciclo de estudos), o Colégio das Artes integra a área da arte contemporânea, que também era totalmente nova para mim. Cheguei a pensar que não seria capaz porque inicialmente achei que não conseguiria entender determinadas práticas artísticas contemporâneas. Mas fui buscar novamente o meu espírito de mudança e disse para mim mesma “estás cá e agora tens que aprender outra vez”. E assim foi.

Foi um acaso que a trouxe até à UC ou sempre desejou trabalhar aqui?

A minha chegada à Universidade de Coimbra é interessante, em dois aspetos. Eu nasci em Coimbra, sou “coimbrinha” com muito orgulho, mas, por questões profissionais, os meus pais foram para Lisboa e regressei a Coimbra com nove anos. Quando saí de cá devia ter três anos e a imagem de Coimbra que tive de Coimbra foi do momento em que chegámos à Portagem, onde tinha um familiar que vivia cá em Coimbra à espera. E a primeira imagem que está guardada na memória é o topo da colina visto da Portagem, com a Universidade. Fiquei sempre com essa memória.

Entretanto, com o regresso à cidade, a minha mãe iniciou funções na Universidade de Coimbra, quando eu tinha 10 anos. E quase veio inaugurar os Serviços Médicos Universitários, que funcionavam ao fundo das Escadas Monumentais. Eles tinham sido criados em 1969 – pelo Dr. António Luzio Vaz, que era o diretor dos Serviços de Ação Social – e a minha mãe foi para lá trabalhar. Na altura, os Serviços Médicos contavam com profissionais de alto gabarito, que eram os professores da Faculdade de Medicina da UC que, pro bono, davam consultas.

Nessa época, eu estudava no Ciclo Preparatório e à hora de almoço ou no final das aulas vinha ter com a minha mãe. Portanto, a Couraça de Lisboa é-me muito familiar e as Escadas Monumentais são-me muito familiares também. E como, na altura, a Universidade era um meio pequeno ainda, eu tinha muito contacto com os profissionais do serviço da minha mãe.

Mais tarde, a minha mãe (também por convite, porque na altura a questão dos concursos vinha a posteriori e acabava por se começar o percurso com um convite-experiência) foi convidada para ir para a Reitoria, como auxiliar, e o meu trajeto passou a ser para a Reitoria, em vez de para os Serviços Médicos. Comecei a vivenciar aquele ambiente e fui começando a perceber como se trabalhava na Reitoria. E, mais tarde, quando uma colega que trabalhava no Gabinete do Reitor foi embora comecei a aprender a receber as pessoas e a atender o telefone. E foi assim o meu começo na UC.

Tendo em conta este tempo, eu ingressei na UC há 52 anos. Foi com 10 anos que eu comecei nos meandros desta Universidade, onde sou oficialmente trabalhadora há 42 anos. E mesmo que eu possa “dizer mal” dela, que ninguém diga mal da UC à minha frente! Não vou dizer que nunca tive nenhum desaire, algum desânimo, alguns sentimentos de frustração, de ser mal compreendida. Também tive esses momentos, de facto. Nalguns momentos ponderei até sair, mas a minha vida está aqui. Acho que o meu coração é desta casa. Acho que não consigo viver sem ela. Sei que a aposentação está próxima, por vezes sinto que estou cansada, que preciso mesmo de me aposentar, mas não quero pensar nesse dia.

Como referiu, está atualmente no Colégio das Artes. Em linhas gerais, que funções desempenha atualmente?

Tenho uma colega de serviço, a Dra. Paula Lucas, e somos as duas a dar o apoio à gestão do Colégio das Artes no seu todo. Acabei por ficar com a parte académica e com a parte, digamos, de planeamento e estratégia, fruto do conhecimento que tenho da Universidade. Digamos que faço um pouco de tudo.

Que momentos mais marcaram o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Foram muitos. E sinto-me grata por ter feito parte de momentos decisivos da Universidade. Acho que há três ciclos que marcaram o meu percurso: o início na Reitoria, numa vertente clássica, com todo aquele ambiente e mobiliário; depois a transição para as Relações Internacionais, em que tínhamos o lema a “Universidade de Coimbra, tradition meets modernity”; e o terceiro ciclo, que é a Universidade na contemporaneidade. Penso que posso considerar estes três ciclos da minha vida na UC: o clássico, o moderno e o contemporâneo.

Um dos momentos mais marcantes aconteceu nos anos 80, com a criação do Grupo de Coimbra (Coimbra Group), em que a Universidade de Coimbra passou a ser falada em todo o mundo. O Grupo de Coimbra nasceu no Palácio de S. Marcos, numa altura em que a Universidade de Coimbra convidou as universidades europeias mais antigas no aspeto tradição para reunir ali, durante alguns dias, para se definir um grupo europeu que congregasse as universidades mais antigas e com maior tradição da Europa. E surgiu o Grupo de Coimbra, que se mantém até hoje. É algo que está no meu coração, ter feito parte de algo que levou o nome da Universidade de Coimbra além-fronteiras.

Para terminar esta conversa, e dado que está há mais de 42 anos a trabalhar na Universidade de Coimbra, que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC sobre a forma de manter sempre viva a vontade de trabalhar na mesma instituição, mesmo depois de tantos anos de entrega?

A nossa Universidade está muito rejuvenescida, há muitas pessoas novas e muita gente jovem, e gosto de ver essa evolução, porque me faz pensar também nas evoluções a que assisti. Durante muitos anos, o corpo de trabalhadores não-docentes manteve-se muito estático. Depois, fruto do acolhimento dos estágios – profissionais e curriculares – houve um florescimento de serviços, com novas ideias e novos conceitos de trabalho. E trabalhei com muitos jovens que, atualmente, são dirigentes de serviços, o que me deixa muito feliz.

O conselho que poderei dar é que se entreguem, apesar de terem desaires, já que nada é apenas rosas. E até as mais belas rosas têm espinhos, para se defenderem do corte. Durante o tempo que estiverem na instituição – e compreendo que procurem novos desafios, quer a nível profissional, quer a nível financeiro – entreguem-se, pois, a Universidade tem muito para dar. É isso que deixo para as gerações mais novas: que vistam realmente a camisola. Às vezes fica um pouco mais apertada, outras vezes mais solta, mas nós vamos adaptando e vamos ajeitando, compondo com um cintinho. A Universidade merece.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 19.05.2022