/ Caminhos na UC

Episódio #24 com Maria João Campos

Um trajeto de docência e investigação para mostrar que o desporto pode e deve ser para todas as pessoas

Quando imaginava o seu futuro, ser arqueóloga ou bióloga eram ideias que passavam pela cabeça de Maria João Campos. Mas acabou por ser a sua ligação ao desporto que a conduziu às ciências do desporto e educação física. Está há 25 anos na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra (FCDEFUC), tendo ingressado enquanto aluna, em 1997. Hoje é docente nesta Faculdade, onde tem feito um caminho dedicado à atividade física inclusiva e adaptada. A riqueza do desporto reside nas suas diferentes potencialidades, que passam não apenas pela diversidade de modalidades que é possível praticar, como também pela capacidade de criar condições para que todas/os possam praticar atividade física, independentemente das suas características. É com esta expectativa que a professora da Universidade de Coimbra (UC) tem feito o seu percurso, de mãos dadas com colegas e estudantes, porque apesar dos feitos alcançados, ainda muito pode ser trabalhado na atividade física inclusiva e adaptada.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

O meu percurso iniciou em 1997, quando ingressei na minha primeira opção no acesso ao ensino superior, aqui na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra. E desde essa altura nunca mais abandonei esta casa. Terminei a licenciatura em 2002 e nessa altura fiquei como monitora aqui na FCDEFUC. Saí apenas em 2010, por alguns meses, no âmbito dos meus estudos de doutoramento, para a Universidade da Virginia, nos Estados Unidos da América. Desde 97 que estou aqui na Faculdade, faz este ano 25 anos, ano em que a nossa Faculdade celebra os seus 30 anos de existência.

Por que escolheu dedicar a sua carreira à área do Desporto?

Não sei muito bem como foi e como surgiu a ideia. Quando era pequena, era fascinada por muitas áreas. Gostava muito de ler, de ver documentários e pensava que ia ser bióloga ou arqueóloga, qualquer coisa desse género. Mas também pratico desporto desde muito nova. Na altura da escolha do percurso no ensino secundário, fiquei com a ideia de que as áreas que mais gostava teriam mais saída como professora. E foi aí que pensei “por que não ir para a área das ciências do desporto e educação física?”, dado que era uma área que me dizia bastante e que me parecia também interessante a possibilidade de transmitir aos alunos as potencialidades e a riqueza do desporto. E foi assim que ingressei na área do desporto no ensino secundário.

Quais foram as modalidades desportivas que praticou?

Antes de entrar na faculdade, foi o Karaté, que pratiquei durante muitos anos. Quando ingressei na faculdade, deixei o Karaté para praticar Rugby até aos 30 anos.

O desporto para populações especiais é a sua principal área de atuação. Como é que surge a sua ligação a esta área?

Antes de entrar na licenciatura, trabalhei e tomei conta de uma senhora mais velha que estava numa cadeira de rodas. E desde essa altura que me interessei por saber mais sobre pessoas com capacidades diferenciadas. Depois, no primeiro ano da licenciatura, numa das unidades curriculares de psicologia, tive a oportunidade de trabalhar com um jovem com perturbações do neurodesenvolvimento e durante cerca de dois anos desenvolvi sessões semanais de atividade física com esse jovem. Foi uma experiência deveras gratificante e foi nessa altura que decidi investir o meu percurso académico nesta área das populações especiais.

Que projetos desenvolve a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da UC para populações especiais?

Aqui na Faculdade, temos o Núcleo de Estudos de Atividade Física Adaptada (NEAFA) e desde a sua criação que estabelecemos parcerias com diversas instituições aqui da região, nomeadamente a Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo de Coimbra, que é provavelmente a instituição com a qual temos uma ligação mais íntima e mais antiga. Todas as semanas (atualmente, duas vezes por semana) vêm grupos de jovens com perturbações do desenvolvimento, particularmente jovens e crianças com perturbações do espetro do autismo, para usufruir de atividade física adaptada às suas capacidades e potencialidades, que são organizadas por nós e pelos nossos estudantes que optaram pelos desportos relacionados com as atividades físicas para populações especiais.

Para além disso, no âmbito da abertura da nossa Faculdade à comunidade, todos os anos organizamos determinados eventos para diferentes populações. Temos o Encontro Intergerações para populações de diferentes idades. Organizamos também as comemorações desportivas do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, para as quais convidamos instituições ou pessoas em particular para virem aqui à Faculdade falar um pouco sobre a sua experiência e também para partilhar com os nossos estudantes as suas vivências. Também organizamos algumas atividades no âmbito da Semana Cultural da Universidade de Coimbra, como o Movimento Especial, que é um evento que acolhe cerca de 200 participantes com deficiência intelectual. É o nosso maior evento, o nosso mais antigo e acarinhado evento, em que, durante um dia, proporcionamos experiências desportivas e lúdicas aqui no Estádio Universitário de Coimbra.

E como é que é feita a dinamização dessas atividades desportivas?

No Núcleo de Estudos de Atividade Física Adaptada, oferecemos sessões de atividade física particulares ou em grupo. Muitas vezes, somos contactados por instituições que solicitam os nossos serviços, pedindo para terem sessões de atividade física aqui na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física. Normalmente são grupos de instituições, particularmente as que estão relacionadas com perturbações do neurodesenvolvimento, como perturbações do autismo e deficiência intelectual. Quando temos possibilidade, vamos também às próprias instituições dinamizar essas atividades, como já fizemos com a Associação de Cegos e Amblíopes (ACAPO). Colaboramos também em treinos desportivos em diferentes modalidades, como no basquetebol com a Associação Olhar 21 - Associação de Apoio à Inclusão do Cidadão com Trissomia 21, ou na natação.

Em 2019, foi criada a Pró-Secção de Boccia da Associação Académica de Coimbra, da qual somos parceiros. Para além disso, em conjunto com o Desporto UC, também desenvolvemos atividades sem limites, dentro do programa Experimenta. Por isso, qualquer elemento da comunidade universitária pode usufruir das nossas sessões, nomeadamente alunos e funcionários com algum tipo de limitações.

Quais é que têm sido os maiores desafios e recompensas do trabalho que desenvolve junto destas populações?

As recompensas são imensas, especialmente o olhar dos participantes quando vêm aos nossos eventos. Isso nota-se perfeitamente e os técnicos que os acompanham também referem isso: a satisfação de saírem das suas instituições e virem aqui partilhar as mesmas experiências que os jovens universitários. As maiores recompensas são mesmo os sorrisos, o feedback que os técnicos nos dão e também o facto de os nossos estudantes denotarem uma importância imensa na organização e dinamização destes eventos porque vão aprender no terreno, in loco, com as próprias populações como trabalhar com elas e verificam que não é nenhum bicho de sete cabeças e que é muito fácil organizar eventos para pessoas com potencialidades diferentes.

Relativamente aos desafios, são necessários alguns recursos mais específicos em determinados casos. E, por isso, nesses casos é necessário algum tipo de verbas para que consigamos adquirir algum material mais específico. Os receios iniciais dos nossos alunos são também desafiantes, como preconceitos, ideias pré-concebidas que têm numa fase inicial, quando vão começar a trabalhar com as próprias populações. Mas tudo isso acaba por se dissipar com a organização das atividades e com a riqueza que é essa partilha de experiências entre todos.

Quais são as ideias pré-concebidas que as/os estudantes costumam ter?

É o medo do desconhecido. Apesar de terem algumas unidades curriculares no âmbito teórico sobre esta temática, a maior parte deles nunca lidou com populações especiais, sejam elas de qualquer condição. E nas primeiras sessões de trabalho com as populações nota-se o receio. Como devem falar? Conseguem compreender as outras pessoas? Como é que devem lidar com elas? Os maiores desafios e os receios que os estudantes me revelam são essa falta de conhecimento e o receio de não conseguir corresponder às expectativas do grupo com o qual estão a trabalhar.

Em algum momento do seu percurso equacionou seguir outra área que não a atividade física adaptada?

Desde que comecei a estar ligada a este trabalho com populações especiais, antes de entrar na Faculdade como aluna, e especialmente na licenciatura e com a possibilidade de ir para os Estados Unidos da América, foi despertando em mim o interesse em continuar nesta área. Apesar de estar integrada em outros projetos dentro da Faculdade, não me vejo a fazer outra coisa que não estar ligada à área do desporto para populações especiais. É uma área pela qual continuo a ter imenso interesse e acho que ainda há muita coisa para fazer dentro da atividade física inclusiva e adaptada.

Ser docente e investigadora sempre foi o seu objetivo ou ponderou seguir outro caminho na área do Desporto?

Nunca tive objetivos relacionados com a área do fitness, de ginásio ou de treinadora, apesar de ter sido atleta e de ter alguns cursos de treinadora. Aliás, aqui na Faculdade também fui docente de algumas unidades curriculares de estudos práticos, que gostei bastante. E, simultaneamente, lecionava também unidades curriculares dedicadas ao ensino inclusivo. No entanto, o meu percurso foi mais direcionado para esta área. Por isso, não me via a exercer atividades nem como treinadora, nem como instrutora em ginásios.

Quais foram os momentos que mais marcaram o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Foram bastantes, pois mais de metade da minha vida foi passada aqui na Universidade de Coimbra. De longe, aquele que mais me marcou foi o dia das minhas provas públicas de doutoramento, nomeadamente o facto de estar na grandiosa Sala dos Capelos rodeada, por um lado, de pessoas tão proeminentes na minha área, e, por outro lado, das pessoas que me eram mais próximas e queridas. Foi um momento extraordinário e realmente marcante!

Também são muito marcantes o primeiro e o último dia de aulas. O primeiro dia de aulas porque vou com elevadas expectativas relativamente aos meus estudantes e também devido ao facto de querer deixar uma semente relativamente à sensibilização nesta área da inclusão nas atividades desportivas e no desporto para todos. E o último dia de aulas também é marcante porque tenho um misto de sensações, entre a esperança e o desassossego. A esperança de achar que contribuí para o desenvolvimento pessoal e profissional dos meus estudantes e, por outro lado, o desassossego de saber se fiz o suficiente para deixar essa semente no coração e na cabeça dos meus estudantes.

Para terminar esta conversa, que conselho gostaria de deixar à comunidade UC sobre formas práticas e fáceis de integrar a atividade física na rotina?

Aqui na Universidade de Coimbra, e particularmente através do Desporto UC, já se dinamizam algumas iniciativas interessantes para a comunidade universitária. Eu própria usufruo de algumas delas: o programa Experimenta, as aulas online, a requisição de bicicletas, a participação em torneios. Para quem não se quer inscrever numa determinada modalidade, acho que o fundamental será fazer caminhadas. Acho que é um conselho bastante simples e prático. Antes desta situação pandémica, já vivíamos um bocadinho confinados, porque passamos imenso tempo dentro do carro, nos transportes públicos, no trabalho ou na faculdade e, muitas vezes, estamos privados de ar puro. Por que não caminhar para o nosso local de trabalho ou de estudo, usufruir das ciclovias que a cidade nos oferece, fazer passeios aqui no Estádio Universitário, ir ao Choupal caminhar ou de bicicleta? Acho que é uma boa altura para desacelerarmos um bocadinho o nosso ritmo, usufruirmos da paisagem, sentir a cidade. Acho que o conselho mais simples que posso deixar é que as pessoas pudessem caminhar um pouco mais todos os dias.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro, DCOM e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado a 10.03.2022