/ Caminhos na UC

Episódio #19 com Alexandre Sayal

A música como ponto elementar em todas as dimensões da vida

Alexandre Sayal é um dos violinistas da Orquestra Académica da Universidade de Coimbra (OAUC), projeto onde encontrou lugar para dar forma à sua paixão pela música. Ainda que não tenha escolhido a área como a carreira profissional – esteve quase, mas a engenharia biomédica levou a melhor –, a música está presente mesmo no projeto de doutoramento do estudante da Universidade de Coimbra, assim como está nos seus tempos livres. Este fascínio pela música nasceu cedo, quando aos três anos recebeu uma bateria de brincar, que teve um curto tempo de vida, ao contrário da vontade de tocar um instrumento musical. Esse interesse pela música foi crescendo e evoluindo e desde 2017 que se espelha nos concertos da Orquestra Académica da Universidade de Coimbra.

Quando e como começou o teu percurso na Universidade de Coimbra?

O meu curso na Universidade de Coimbra começou em 2011, quando entrei no mestrado integrado em Engenharia Biomédica, que na altura era um curso um pouco desconhecido e não sabia bem o que é que viria a ser um engenheiro biomédico no futuro. Mas mesmo assim acreditei e segui por esse caminho, no qual conseguia conjugar a engenharia com a biologia, e em especial a biologia humana.

E como é que surge o envolvimento na Orquestra Académica da Universidade de Coimbra?

A Orquestra Académica foi fundada em 2016 e, infelizmente, nesse ano estava a fazer a dissertação de mestrado e não me pude juntar à Orquestra nessa altura. Confesso que não valorizei e não percebi bem o que tinha acabado de surgir na cidade de Coimbra, fruto de um esforço conjunto da Tuna Académica e da Reitoria da Universidade de Coimbra. Em março de 2017, juntei-me à Orquestra e fizemos um concerto espetacular, no Teatro Académico de Gil Vicente. E foi assim que começou o percurso. Percebi realmente que tinha sido criado um espaço para músicos que decidiram não seguir essa carreira. É um espaço que tem muito por onde crescer. Em 2018, juntei-me à comissão organizadora da OAUC, que é um conjunto de pessoas (que pode ou não mudar todos os anos) que torna o projeto possível.

Como é que o gosto pela música nasce na tua vida?

Diria que a primeira indicação surge aos três anos, quando os meus pais me ofereceram uma bateria de brincar, que desfiz praticamente num dia (pais esses que conviveram e se conheceram precisamente nesta sala de ensaios onde estamos a conversar). Essa foi claramente a primeira indicação.

E há muitos nomes que são responsáveis por este gosto. O primeiro nome que é fundamental realçar é Virgílio Caseiro. É um mestre do ensino da música, foi quem me passou todos esses ensinamentos e foi um professor com uma arte espetacular em conseguir traduzir conceitos complicados da música em coisas que as crianças entendem e isso é muito importante. E, para além disso, teve sempre um objetivo geral de nos tornar melhores pessoas, sempre com frases e ações especiais que nos levavam a ser melhores.

O segundo nome é Luís Pedro Madeira, professor de música do jardim-escola que, para além de ser um excelente músico, usava algo que eu considerava muito próximo da magia para pôr dezenas e dezenas de crianças a cantar a mesma canção. E isso é extraordinário.

Aos nove anos, surge a oportunidade de aprender um instrumento musical e consegui entrar no Conservatório de Música de Coimbra para aprender violino com o João Ventura. O João Ventura é o eterno responsável por tudo aquilo que faço na música hoje. Para além de ter passado nove anos a tentar ensinar-me alguma coisa da técnica violinística – conseguiu algumas coisas, outras coisas não – é, de facto, quem me transmitiu a paixão e o gosto por tocar música em conjunto, por tocar em orquestra.

Estes foram os três pilares do nascimento do meu gosto pela música.

Estando a música tão presente na tua vida, alguma vez consideraste seguir essa carreira?

Acho que esse é um dilema enorme e é o dilema de toda a gente. Fazemos o ensino secundário e chegando ao fim questionamos: “E agora? O que é que vou fazer à música? Vou seguir? Vou seguir música no ensino superior ou não?”. E eu optei pela hipótese de não ir. Foi uma decisão completamente 50/50. Acho que toda a gente tem este dilema. E hoje acho que tomei a decisão certa. Vamos ver…

Como é que se processam os ensaios e quem são os elementos que a integram a Orquestra Académica da Universidade de Coimbra?

A Orquestra funciona num esquema por estágios. Apontamos, mais ou menos, para três concertos por ano e nas duas semanas que antecedem esses concertos começamos a marcar uma série de ensaios e trabalhamos um determinado reportório para apresentar no concerto. É assim que costumamos funcionar.

Em termos das pessoas, a Orquestra é um espaço aberto à comunidade da Universidade. E não só, é também aberta a antigos e futuros alunos, docentes e funcionários. Somos muito abertos a toda a gente que queira tocar connosco. E na OAUC há uma ênfase muito grande em pessoas que tiveram formação musical durante vários anos e que chegaram a um determinado ponto em que perderam a aplicação dessa formação, seja porque seguiram outro caminho ou porque deixaram de ter aulas. E neste contexto damos uma opção – que é também uma das grandes motivações da criação da Orquestra – que é as pessoas poderem exercer essa sua vontade de tocar em orquestra e fazer concertos muito interessantes com reportório sinfónico.

Como é que vives a experiência em palco? Que emoções traz esse momento?

O palco é o sítio onde conseguimos mostrar a nossa arte. E é, ao mesmo tempo, um sítio completamente assustador. Vejo a música como uma forma de transmitir tudo aquilo que não conseguimos dizer. E num palco, estamos a transmitir uma mensagem, estamos a transmitir a nossa interpretação daquilo que foi ou que achamos que foi a mensagem de um compositor e acho que nos estamos a expor a nós próprios nesse processo. E isso é muito, muito interessante. Há pessoas que lidam bem com essa situação, outras que lidam menos bem e ainda outras que têm estratégias para conseguir lidar. Mas acho que estar em palco é uma forma muito interessante de expormos emoções, de interagirmos com outras pessoas sem dizer uma palavra. Acho que isso é muito positivo.

És também estudante de doutoramento na Universidade de Coimbra e estás a desenvolver o teu projeto na área da engenharia biomédica. Quais é que têm sido os maiores desafios deste percurso?

O curso de Engenharia Biomédica é algo muito desafiante. De certa forma, acho que somos obrigados a saber um pouco sobre muitas coisas e saímos desta formação com a grande capacidade de nos adaptarmos a qualquer problema que surja, e isso é uma mais-valia. O doutoramento é todo outro desafio. Se tivesse de dizer qual é o maior desafio de fazer um doutoramento, e também investigação, seria a constante necessidade de persistir: ter uma ideia, criar certas estratégias para tentar abordar essa ideia, extrair resultados e falhar. E todos os dias lidar com as falhas. Acho que o maior desafio é ter a capacidade de dar a volta a isto e de, todos os dias, ter uma ideia nova e tentar inventar a solução para o problema.

E no meio de toda esta revisitação constante da investigação, a música ajuda a encontrar um balanço?

Sim, sem dúvida. Acho que neste ramo da investigação estamos perante um processo criativo, tal e qual como na música. E o processo criativo não nasce de uma forma automática, não é fácil obrigá-lo a existir. Ele tem de surgir e parar de pensar sobre o que estamos a trabalhar é absolutamente fundamental. E no meu processo, a música encaixa como uma alternativa, como algo para fazer quando não quero pensar na investigação. Acho que é muito, muito importante ter a música ao nosso lado.

Quais foram os momentos que marcaram particularmente o teu percurso na Universidade de Coimbra?

Acho que uma das grandes vantagens destas entrevistas é arranjarmos tempo para parar e olhar para trás. E quando olho para trás, surgem inúmeros momentos que levaram a que estivesse aqui hoje. Neste sentido, realçaria três momentos.

Acho que não é possível não recordar os momentos como acabar o curso. Valorize-se mais ou menos a tradição, acho que não é possível esquecer a última serenata, nem o dia da cartola e da bengala. Acho que estão bem marcados. E acho que ficará sempre na memória o dia da defesa da dissertação, em que mostramos não só o trabalho que estivemos a fazer no último ano, mas acho que é o reflexo daquilo que fizemos durante os cinco anos do curso, no meu caso. E é também uma excelente oportunidade para, além de ter uma boa discussão científica, mostrar aos amigos, aos colegas e à família porque é que mereço ser engenheiro. Acho que é um excelente momento para isso.

O segundo momento acontece num período de três anos depois do curso, em que estive a trabalhar como bolseiro de investigação, quando fui pela primeira vez à Sala dos Capelos assistir a uma defesa de doutoramento. Lembro-me perfeitamente onde me sentei, de quem estava sentado ao meu lado e de quem estava a apresentar. Acho que se não tivesse ido assistir àquela defesa não estaria onde estou hoje. Senti uma vontade incrível de fazer aquilo e de pensar “acho que consigo fazer isto, acho que consigo estar ali e quero fazer isto!”. Esse foi, sem dúvida, um momento fundamental.

Com a Orquestra, há um momento que acho que é fundamental, que foi o concerto dos 730 anos da Universidade de Coimbra. Nesse concerto, estreámos a obra Universis, que foi escrita de propósito para esta estreia. E, para além de ser uma composição extraordinária do João Cardoso, acho que se criou uma energia incrível entre todos os músicos da OAUC e entre o coro. E acho que a reação do público foi também extraordinária. Saímos daquele concerto com uma vontade extraordinária de manter este projeto, de alimentar este projeto e de seguir em frente. Curiosamente, este concerto foi no dia 1 de março de 2020. E, como disse, nós saímos (nós músicos e nós comissão organizadora) deste concerto completamente eufóricos, diria, com a vontade de querer ir mais longe porque é um projeto que faz sentido. E todos sabemos o que aconteceu uns dias depois. E esta transição entre a euforia e a restrição está aqui bem marcada.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostarias de deixar à comunidade UC sobre a importância de conciliar a carreira profissional com outras atividades?

Tendo a ver a vida por um lado mais positivo e, portanto, diria que só tem vantagens. Acho que tem duas vantagens fundamentais. Uma delas acho que é evitar que se crie uma rotina. Aquela história de acordar de manhã, ir trabalhar, voltar ao fim do dia e não fazer nada é algo que me assusta muito. Isso assusta-me muito, especialmente quando é repetido pelos cinco dias de trabalho da semana. Para mim, faz sentido acordar, ir trabalhar, voltar e ir fazer alguma coisa, seja dar uma volta, seja tomar um café com amigos, seja fazer música. Acho que é muito, muito bom se conseguirmos ter este escape. O segundo ponto (acho que já o mencionei de alguma forma) é a importância de parar, de desligar. Pode ou não ser algo específico da minha área, mas acho que é extraordinariamente importante pararmos de pensar. Já aconteceu várias vezes estar muitas horas de volta de um problema – demasiadas horas até – e no dia seguinte, de manhã, perceber o problema e resolvê-lo em vinte minutos. É muito, muito importante desligar. E se neste período em que desligamos da nossa atividade profissional pudermos ter música acho que não podemos querer muito mais!

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado em 30.12.2021