/ Caminhos na UC

Episódio #18 com Cristina Zhou

Estudar na Universidade de Coimbra como o sonho que se tornou realidade e se prolongou no tempo

As palavras e as interrogações de Fernando Pessoa estiveram na origem do fascínio pela língua e cultura portuguesas e do sonho de estudar em Portugal. E foi há 13 anos que este sonho se materializou, com a chegada de Cristina Zhou à Universidade de Coimbra (UC). Na nossa Universidade, concluiu o mestrado e o doutoramento e nunca deixou a investigação. É nas revisitações das publicações de Fernando Pessoa que continua a encontrar novos caminhos para a sua pesquisa e é a sua obra que continua a querer levar até à China, país onde nasceu. Neste processo de partilha entre culturas, tem dedicado o seu trabalho enquanto diretora-executiva do Instituto Confúcio da Universidade de Coimbra ao diálogo entre China e Portugal, como também com outros países do mundo, materializando a sua vontade de criar uma comunicação livre e sem barreiras entre as diferentes culturas.

Quando e como começou o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Vim para Coimbra em outubro de 2008 para fazer o curso anual de Língua e Cultura Portuguesas na nossa Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Que motivos impulsionaram a sua vinda para Portugal?

Sempre quis viver, trabalhar e estudar em Portugal. Quando estava a estudar na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, no curso de Língua e Cultura Portuguesas, sempre sonhei estudar em Coimbra. E, tal como acontece com muitas coisas na vida, quando sonhamos muito em estar em certo sítio, acabamos por conseguir. E foi o que aconteceu!

Como surge o seu interesse por Portugal?

Foi por causa de Fernando Pessoa que decidi estudar português. Quando estava no liceu, tive a oportunidade de ler alguns poemas de Fernando Pessoa, traduzidos para chinês. Fiquei tão impressionada que decidi aprender língua portuguesa para poder ler e apreciar melhor a sua obra.

E por que motivo escolheu a Universidade de Coimbra?

Na altura, quando estava a estudar na universidade em Xangai, nunca pensei noutra hipótese! Sempre achei que Coimbra seria o melhor sítio para aprender a língua e cultura portuguesas. E como quis aperfeiçoar os meus conhecimentos sobre a língua portuguesa e estudar no melhor sítio, decidi vir para cá. Durante o curso anual de Língua e Cultura Portuguesas, que fiz na Faculdade de Letras, tive aulas de Literatura Portuguesa com a doutora Maria do Rosário Ferreira e adorei! E decidi ficar cá e fazer o mestrado em Literatura Portuguesa. No âmbito desta formação, tive aulas com vários professores, mas as aulas do doutor José Carlos Seabra Pereira foram especialmente inspiradoras. Por isso, decidi trabalhar com o professor na tese de mestrado e também de doutoramento. Uma coisa levou à outra, as coisas foram acontecendo e estou muito feliz aqui!

Já falou sobre o fascínio pela literatura portuguesa, especialmente por Fernando Pessoa. Além disto, o que é que mais a fascina na cultura portuguesa?

Há um certo tipo de cosmopolitismo na cultura portuguesa que me fascina muito, especialmente a ideia de ser um lugar de cruzamento de várias culturas.

Como é que tem sido a sua relação com a língua portuguesa desde que chegou?

Sou uma pessoa bastante interativa, ainda me considero uma aluna de Línguas e aproveito todas as oportunidades para praticar a Língua (falar, escrever…) e com o passar do tempo acho que estou também a ser adotada pela língua portuguesa! Acho que também tenho conseguido contribuir sempre com alguma coisa para a cidade de Coimbra, e para Portugal, e acho que a minha interação com o país tem sido muito feliz.

Tem dedicado a sua investigação à literatura portuguesa. A que temas tem prestado atenção nos últimos tempos?

O último ano foi muito difícil para todos nós. No meu caso, aproveitei este hiato para reler algumas coisas e revisitar a obra de Fernando Pessoa. Vou realçar dois trabalhos que desenvolvi nos últimos anos. Um deles é a tradução do Livro do Desassossego de português para chinês, que foi um trabalho que tomou muito tempo. Fiz esta tradução com a professora Patrícia Xin, da Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim, que é uma tradutora fabulosa. E esta tradução deu-me a oportunidade de revisitar a obra de Fernando Pessoa e deu-me novas ideias! Depois, as minhas leituras nos últimos anos inspiraram-me a fazer novos trabalhos sobre Fernando Pessoa. E revisitar aquela faceta do pensamento esotérico de Fernando Pessoa – que é o tema central da minha tese de doutoramento – permitiu-me dar um novo ângulo a este estudo e fiz um trabalho sobre o medievalismo em Fernando Pessoa, cruzando-o com Dante Alighieri e Dante Gabriel Rossetti. Felizmente consegui publicar este trabalho na revista Pessoal Plural, dirigida pelo doutor Jerónimo Pizarro, um grande historiador pessoano colombiano. Fiquei muito, muito feliz!

Tem uma obra preferida de Fernando Pessoa?

Essa pergunta não é nada fácil porque Fernando Pessoa é um universo. O que é mais fascinante não é tanto um livro específico, mas antes Fernando Pessoa como um todo. Mas penso que o Livro do Desassossego é algo excecional.

É diretora-executiva do Instituto Confúcio da Universidade de Coimbra. Qual é o contributo desta estrutura para a comunidade UC?

O nosso Instituto serve toda a comunidade universitária em vários sentidos. Em primeiro lugar, oferecemos cursos de língua e cultura chinesas para todos e, como somos um instituto especializado em medicina chinesa, oferecemos também uma cadeira opcional, chamada Introdução à Medicina Chinesa, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Além disso, colaboramos muito com a Academia Sino-Lusófona da Universidade de Coimbra para organizar eventos culturais e académicos relacionados com a China. E desde o ano passado que colaboramos também muito com a Academia para o Encontro de Culturas e Religiões (APECER) e juntos vamos incentivando os diálogos interculturais na nossa comunidade. Em segundo lugar, como na nossa Universidade há muitos professores, investigadores e estudantes interessados em contactar com a China, ajudamos a estabelecer esta ligação e tentamos obter informações acerca de bolsas e subsídios, muitas vezes junto da Embaixada da China em Portugal. E também oferecemos muitas sugestões de mobilidade e neste âmbito trabalhamos muito com a Divisão de Relações Internacionais (DRI). Em terceiro lugar, algo que é muito importante, é a grande presença de alunos chineses – não só da China continental, mas também de Macau – a estudar na nossa Universidade. E para estes estudantes o Instituto Confúcio é um lugar para fazer estágios, para conhecer amigos portugueses e de outros países, para terem uma experiência mais internacional.

Sobre os cursos de língua e cultura chinesas, quais é que têm sido os maiores desafios de ensinar uma língua tão díspar da língua portuguesa?

Felizmente no Instituto Confúcio temos tido alunos muito interessados e empenhados. Mas o grande desafio é cultivar e manter este interesse. No nível 1, tudo é novo e os estudantes normalmente estão muito entusiasmados e com muita vontade de aprender. Depois no nível 2, 3 e 4 a dificuldade vai aumentando. Como os nossos cursos livres não são conferentes de grau, os nossos alunos têm outras disciplinas e outros trabalhos para fazer e, por isso, temos tido alguma dificuldade em manter este interesse dos nossos estudantes. Temos também tentado organizar workshops, encontros e convívios estudantis para juntar os alunos para que possam trocar ideias e passar uns aos outros a motivação de continuar a aprender a Língua. Os nossos alunos não são só portugueses, são também brasileiros e italianos, por exemplo. Gosto imenso de ver que conseguimos juntar alunos de diferentes partes do mundo através da Língua e é aí que, na minha opinião, está o grande fascínio de ensinar uma Língua.

Quais foram os momentos que marcaram particularmente o seu percurso na Universidade de Coimbra?

Tive muitos momentos inesquecíveis, mas devo realçar o momento da chegada. Quando cheguei pela primeira vez à Universidade de Coimbra vi a estátua de D. Dinis e senti que estava a realizar um sonho. Foi uma sensação muito, muito, muito interessante. Queria também destacar outro que, digamos assim, ultrapassou o meu sonho. Foi há mais ou menos quatro anos, em novembro de 2017, quando fiz a minha primeira visita a Macau, numa delegação da Universidade de Coimbra. Visitei Macau com o doutor Joaquim Ramos de Carvalho, antigo vice-reitor para as Relações Internacionais, e com o doutor Rui de Figueiredo Marcos, antigo diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e atual diretor da Academia Sino-Lusófona. Esta visita foi a génese da Academia Sino-Lusófona da Universidade de Coimbra, que veio a ser inaugurada em 2019, já no mandato do vice-reitor João Nuno Calvão da Silva. Tenho imenso prazer, imensa honra em trabalhar neste projeto que é uma ponte entre a China e todos os países de língua portuguesa. Sinto que estou a fazer alguma coisa realmente importante e muito útil.

Para terminar esta conversa, que mensagem gostaria de deixar à comunidade UC sobre a integração de pessoas que chegam a Portugal de todas as partes do mundo?

A minha mensagem é esta: somos todos elementos indispensáveis desta comunidade que é a Universidade. E a dinâmica da nossa Universidade depende de cada um de nós. Se achamos que a Universidade de Coimbra pode e deve ter um ambiente mais cosmopolita e intelectualmente mais estimulante todos temos que contribuir para isso, desempenhando o nosso papel em manter a comunicação livre e eficaz entre diferentes culturas. É isto que temos que fazer todos. Há uma coisa que Fernando Pessoa diz e que me toca bastante: Infante Dom Henrique viveu no tempo em que se podia sonhar. Mas acho que nós também vivemos num tempo em que podemos sonhar. E é esta mensagem positiva que quero deixar a todos.

Produção e Edição de Conteúdos: Catarina Ribeiro e Inês Coelho, DCOM

Imagem e Edição de Vídeo: Marta Costa, DCOM

Edição de Imagem: Sara Baptista, NMAR

Publicado em 18.12.2021